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A PÁSCOA DE TODOS OS DIAS

21 de Fevereiro de 2018 | Helena Ramos Fernandes
A PÁSCOA DE TODOS OS DIAS
Opinião

 

Sempre que termina o Carnaval vem sempre aquele ambiente mais solene. Começa o período da Quaresma e provavelmente nunca se falta tanto na palavra “sacrifício” ao longo do ano como nesta altura. Mas afinal o que é o “sacrifício”? A Igreja Católica convida os fiéis a absterem-se de comer carne às sextas-feiras. A ignorância de muitos leva-os a prescindir de um bife e a optar, por exemplo, por uma boa lampreia à bordalesa acreditando assim que não estão a infringir os apelos eclesiásticos. Nada mais errado. Se a Quaresma implica sacrifício, então o sacrifício deveria ser precisamente optar por um prato do qual se gosta menos… ou então comer menos, isto para os “melhores garfos”.

Este espírito de sacrifício está tremendamente esquecido nos dias de hoje. Seja na Quaresma, seja ao longo de todo o ano. É quase como o Natal. Por alturas de Dezembro proliferam as mensagens bonitas, cheias de amor e aquele clichê de que “o Natal deve ser todos os dias”. No dia 26 de Dezembro, tudo se evapora. O mesmo parece estar a acontecer nestes tempos pascais que se aproximam. Há um claro afastamento dos mais jovens em relação à Igreja e os mais velhos, de tanto saberem a mensagem de cor e salteado, esquecem-se constantemente dos convites que a Igreja faz. Desligam. Simplesmente não querem saber.

Certo é que o sacrifício, assim como o Natal, deve ser feito todo o ano. A maior parte de nós tende sempre a olhar para o próprio umbigo. É extremamente difícil pensarmos primeiro no outro e só depois em nós. Porque não tentar mais isso? E depois, quando deixar de ser um sacrifício, tentar uma nova tarefa que consideremos ser mais árdua.

Pense num ginásio, caro leitor. Não há exemplo mais simples e prático. Todo aquele que entra num ginásio pela primeira vez e em baixo de forma, vai naturalmente ter dificuldades em fazer 10 ou 15 flexões seguidas. Porém, com a prática, não demorará muito até conseguir fazer o exercício com facilidade.

O que acontece depois? O instrutor vai convidar o aluno a fazer um outro exercício mais difícil. Talvez umas 25 elevações seguidas. Nos primeiros tempos vai custar. Vai ser um esforço enorme e talvez o aluno não consiga chegar sequer às cinco elevações. Mas com o tempo, com muito esforço e persistência, ele vai conseguir atingir o objectivo. E o sacrifício é exactamente isto: converter o que nos dói em absoluto prazer.

Nesta altura pascal, a Igreja convida-nos a uma espécie de ginásio espiritual. Coloca-nos à prova. A olharmos para o espelho e tentarmos perceber até que ponto a nossa alma está enferrujada. E pode ter a certeza, caro leitor, que há muita ferrugem a tirar.

Pois eu sou a primeira a deixar o repto. Este deve ser um tempo em que todos nós devemos vivenciar a Páscoa de uma forma verdadeira. Sem hipocrisias. Sem fazer absolutamente nada, a não ser pensar na roupa bonita que todos vamos vestir no Domingo de Páscoa. É realmente muito triste ver que, ano após ano, tudo culmina e acaba aí. Depois do compasso pascal passar nas nossas casas, tudo desaparece. Tal como no Natal… tudo se evapora e na segunda ou terça-feira seguintes voltamos à normalidade dos dias.

É urgente, caro leitor, que a Páscoa seja vivida no seu verdadeiro sentido. E isto que escrevo não se trata de uma mensagem religiosa. Trata-se, penso eu, de um apelo humanista em que julgo necessário darmo-nos mais. Abraçarmo-nos mais. Entregarmo-nos mais aos outros.

Só assim é que a Páscoa será todos os dias.

 

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