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Deficiente profundo desaparecido foi dado como morto

6 de Outubro de 2015 | José Luis Freitas
Deficiente profundo desaparecido foi dado como morto
Romarigães

Assumi um compromisso, comigo e com o leitor, de relembrar, ano sim e outro também, o estranho desaparecimento do Zé Caselhos, tinha-o previsto fazer na próxima edição, um telefonema do director deste jornal levaria a este antecipar.

Numa breve pincelada, relembro aqui e agora o ocorrido. Tarde de 26 de Outubro de 2004, o céu escuro como breu deixava adivinhar a tempestade que a noite confirmou, José Caselhos, o nosso Zé, jovem de 32 anos, deficiente mental profundo, as suas pernas quase tão paradas como o seu olhar, coração débil e a bater ao ritmo de um marcar passo, desaparece por entre uma névoa de suspeições de onde, passados estes onze anos, não voltaria mais.

O Zé já não é um desaparecido, legalmente o Zé morreu, a ausência encontra-se regulada pelo Código Civil. O seu patamar máximo é a declaração de morte presumida, segundo a qual, mesmo sem corpo nem provas factuais, se presume que a pessoa faleceu — admitindo-se sempre eventual prova em contrário. Para declarar a morte presumida, é necessário que a pessoa não esteja presente no local em que seria razoável esperar encontrá-la nem se conheça o seu paradeiro, e que a ausência tenha durado um certo período, em geral dez anos. A declaração de morte presumida tem de ser decretada em processo judicial e produz, no essencial, os mesmos efeitos jurídicos que resultam da morte.

É tempo de colocar uma pedra, uma lápide, sobre este caso, que, a dada altura, terá feito do Notícias de Coura uma espécie de D. Quixote a lutar contra moinhos de vento e montanhas de desinteresse, tal o mistério, o silêncio e, pior que tudo, a indiferença que, desde um primeiro momento, envolveram este desaparecimento.

O Zé morreu, é tempo de viver o luto, e, de certa forma, por estranho que possa parecer, isso transmite-me uma sensação de alívio. Como escreveu um dia alguém, “ter um desaparecido é ter a vida suspensa!” É pior do que a morte! Porque à morte, por mais violenta e dolorosa que seja, o tempo encarrega-se de aplacar a dor, pelo simples motivo de que ela é inexorável. E diante do inexorável, o ser humano trata de se defender. Aos poucos, o sofrimento diminui, a pessoa recupera-se e a vida segue o seu fluxo normal.

Com a morte presumida, o Notícias de Coura enterra aqui este assunto, sem sepultar o cadáver e a revolta, sem silenciar a voz e a prometer ressuscitação sempre que algo o justifique.

Descansa em paz Zé.

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