Última Hora

ISSO SÓ ACONTECE AOS OUTROS

11 de Junho de 2019 | Helena Ramos Fernandes
ISSO SÓ ACONTECE AOS OUTROS
Opinião

 

“Ainda que a traição agrade, o traidor é sempre odiado”. A frase é de Miguel de Cervantes, nome maior da literatura espanhola. É o pensamento que me ocorre depois de por estes dias ter visto dois presidentes de Câmara a serem detidos pela Polícia Judiciária.

Ainda nem sequer passaram dois anos após as últimas eleições autárquicas. Nem dois anos! Foi em Setembro desse mesmo ano que tanto estes como muitos outros candidatos andaram em campanha a fazer o habitual: promessas.

No entanto, tanto estes como outros que para aí andam (e ainda não foram detidos) esqueceram-se lamentavelmente que fazer promessas em campanha eleitoral já está fora de moda há muito tempo. A comprová-lo, por exemplo, está o actual presidente da Câmara Municipal de Monção. Vim a saber que António Barbosa é avesso a promessas. Prefere criar compromissos com a população.

Um compromisso mostra, pelo menos, mais seriedade. Mais carácter. Mais honestidade. Mais postura tanto numa como na outra parte envolvida. Havendo esta consciência de compromisso, tanto o autarca como a população dão um salto enorme em termos de maturidade.

Promessa é muito diferente de um compromisso. Se pensarmos bem, a promessa tende a quebrar-se muito mais facilmente. Mas quando damos ao assunto um tom de compromisso, tudo toma um ar mais carregado de integridade. Ambas as partes têm a noção que está em jogo algo muito importante: a honra.

Um autarca detido, seja qual for o motivo, é um autarca que perdeu imediatamente a honra. E que desonrou todo um eleitorado que acreditou nele. Milhares de pessoas que leram e releram todo um manifesto eleitoral antes de votar e que depositaram naquela pessoa a confiança para gerir os destinos do Município.

Estamos, portanto, a falar de uma traição. E traições ao poder, em tempos idos – como a Idade Média, por exemplo – eram severamente castigados. Um crime de lesa-majestade resultava quase sempre em tortura seguida de execução pública.

Mas hoje os tempos são outros. Houve um avanço na mentalidade dos homens. Na defesa da vida. Mas será que houve avanço no cumprimento de funções autárquicas com rigor e honestidade?

Dois foram detidos. Mas quantos terão escapado desde que foi implantada a democracia em Portugal? Quantos se terão servido e não servido?

Congratulo-me com a detenção destes dois presidentes de Câmara. A lei, evidentemente, é para ser cumprida. Mas defendo que deveria existir uma maior fiscalização sobre a actividade autárquica. Maior e muito mais eficaz.

Enquanto isso não acontecer, haverá sempre autarcas a olhar para estes casos e a pensar: “A mim nunca me vai acontecer. Isso só acontece aos outros”. E a saga continua.

 

Comments are closed.