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NO TEMPO DAS CEREJAS, O CENTENÁRIO DE AMÁLIA

4 de Agosto de 2020 | Eduardo Daniel Cerqueira
NO TEMPO DAS CEREJAS, O CENTENÁRIO DE AMÁLIA
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QUANDO A DIVA ACTUOU EM PAREDES DE COURA

Centenário do nascimento de Amália Rodrigues. Não, não vamos falar da biografia de uma das mais polifacetadas personalidades da cultura portuguesa, uma vez que tal foi feito nestas páginas recentemente pela pena do nosso director.

Vamos recordar a sua presença entre nós. Sim, a diva que teve honras de Panteão Nacional actuou em Paredes de Coura no já distante ano de 1981. As Festas do Concelho desse ano, estavam orçadas em 1200 contos (600 euros na moeda actual), e estavam francamente ameaçadas devido a falsas promessas de entidades, e dado o cartaz dispendioso. A uma semana da realização das festas faltava angariar a quantia de 800 contos, e apelava-se à solidariedade dos courenses. Felizmente, a nossa gente não deixou ficar mal os elementos da comissão, e as festas mantiveram-se até aos dias de hoje.

Domingo, dia 9 de Agosto, as festas encerrariam com um espectáculo de luxo, Paco Bandeira e Amália Rodrigues! O Largo Beato Redento Cruz (conhecido como largo das oliveiras), defronte da Casa Grande, era o espaço escolhido para a realização desse tipo de exibições. Enquanto os artistas e equipas de apoio (onde se incluía o conceituado músico Jorge Fernando) à chegada a Coura optaram por descansar e instalar-se no hotel, Amália Rodrigues ao ver a pequenina casa dos caseiros do Solar dos Pereira da Cunha, disse logo que não arredava pé dali e ficava acomodada no lar dos saudosos Vidal e Maria “Camarada”.

Infelizmente, não conhecemos registos fotográficos da fadista em Paredes de Coura, e a referência no jornal local da época ao espectáculo foi a seguinte: “(…) a Amália, dentro dos condicionalismos (proximidade das bandas de música que prejudicou o espectáculo), esteve bem.” Pouco, muito pouco para a grandeza da artista. Bem, temos de reflectir um pouco, estávamos à distância de 7 anos da revolução de Abril, e tentavam “colar” o nome de Amália ao antigo regime, esquecendo que ela conquistou Portugal e o mundo, com um estilo muito próprio, simples e genuíno, autêntico e único, interpretando fados tradicionais, a par de folclore, e mudando para sempre o fado, quando canta os grandes poetas. Desculpem caros leitores, já estou a divagar, mas sou um fã de Amália desde que ouvi “Meia noite e uma guitarra”.

Voltando à história de Amália em Coura, de pronto se instalou no humilde lar que funcionou como bastidor da artista. Imaginem, pois, a confusão, com os seus característicos vestidos pendurados nas portas, a garotada a entrar pela casa a pedir autógrafos ao ponto de ser precisa ajuda dos familiares dos caseiros para coordenar as visitas. Chegada a hora do jantar, a dúvida, o que comeria a senhora D.ª Amália? “Come o que nós comermos”, disse a tia Camarada. Deliciou-se com caldo verde, rejeitando a degustação de uma costeleta e preferindo comer dois ovos cozidos, brindando todos com vinho verde nas tijelas, e no final com o afamado café de Coura.

E deitado fogo de vistas e logo se incendeia uma meda de palha na eira, todos acudiram à sua extinção incluindo a artista… humildade na maneira de ser. A certa altura ninguém sabia de Amália, estava ajoelhada em silêncio diante de um oratório antigo da tia Camarada. Chegado o momento da actuação, mostrou-se extremamente agradecida a todos que a acolheram, e Vidal todo contente acompanhou-a até ao palco.

Finda a actuação, a noite já ia longa, foram feitas as despedidas e Amália depositou algo nas mãos da tia Camarada.

A tia Camarada confidenciou aos familiares, com palavrões (sem maldade nenhuma, era característico nela) à mistura, que tinha sido enganada por Amália, porque lhe tinha dado uma nota falsa. Quando mostrou o presente a todos, descobriu-se o mistério: era uma nota de 5 contos (cinco mil escudos) sendo que a primeira desse valor tinha surgido pouco tempo antes, a 25 de Fevereiro de 1981, e nem era conhecida pelos presenteados. E só acreditou quando lhe queriam dar 5 notas de 1000 escudos em troca da de 5 contos!

Registe-se em 1981 para além de várias localidades portuguesas, e de Genebra, Montreux, Lausana, Bahia, Sierre, São Paulo, Buenos Aires, Santiago do Chile, Berlim, Itália, Argentina, Chile, Rio de Janeiro, Holanda, Cidade do Cabo e Joanesburgo, Amália actuou em Paredes de Coura!

Finalizamos este artigo com as suas palavras: “O que me ficou disto tudo, deste trabalho todo, no fundo foi muito e foi enorme, mas o que me ficou disto tudo, foram as palmas, foi o público, foi o amor das pessoas. É ele que me tem alimentado.”

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