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Pedra sobre pedra

17 de Novembro de 2015 | Manuel Martins
Pedra sobre pedra
Opinião

 Escrevi no Notícias de Coura do passado dia 25 de Outubro que, com estes resultados eleitorais, “o PS fica agora numa posição charneira, podendo ajudar uma maioria à direita ou criando condições para uma maioria à esquerda – António Costa transformou assim uma derrota eleitoral numa vitória posicional. Aguentará com sucesso, essa posição?”.

Essa vitória posicional do PS parece agora mais evidente.

Até porque o Presidente da República, Cavaco Silva, parece ter abandonado a ideia com que sonhou, herdada certamente do rei D. Carlos, de tentar instalar um Governo de “ditadura”, a que agora se chamaria semi-presidencial – dele com Passos Coelho –, da mesma forma que o penúltimo dos Braganças instalou a sua ditadura com João Franco – porque a repetição da história dava direito a um final de mandato presidencial muito turbulento, embora sem o risco da chegada de um Buiça pois, verdade se diga, este é um tempo moldado para “amansar” os cidadãos…

A solução governativa politicamente estável para que podiam apontar estes resultados eleitorais, de interesse nacional e responsabilizante dos partidos que nos últimos 40 anos têm governado Portugal (PS e PSD) – e que em conjunto podem com algum sucesso pressionar a Europa para aceitar rever o Tratado Orçamental – seria uma aliança paritária com a duração de 4 anos do PSD/ PS, ficando a oposição à direita a cargo do CDS e, à esquerda, a cargo do BE/ CDU – mas a coligação eleitoral e as posições políticas pré-eleitorais dos diversos partidos e, também os fracos resultados eleitorais conseguidos por cada um deles, criaram a necessidade de sobrevivência das actuais lideranças do PSD e do PS e não facilitam a criação dessa aliança paritária ao centro.

Não sendo possível esse entendimento, a esquerda em geral e o PS em particular conseguiram um acordo que é um marco histórico, legítimo no quadro constitucional, que vai permitir aplicar em conjunto o essencial das suas propostas políticas – chegou por isso a hora dos partidos de esquerda, pela primeira vez depois do 25 de Abril, submeterem à prova real as soluções que têm para governar Portugal.

No momento em que escrevo esta crónica, no prazo limite indicado pela Redacção do Jornal (9.No vembro.2015), falta-me saber com clareza se o acordo das esquerdas é para uma legislatura ou se é apenas para aprovação do Orçamento para 2016. Caso se destine apenas à aprovação do Orçamento/2016, trata-se de um “entendimento mínimo” e por isso considero que facilmente poderá ir para o baú, onde a história guarda os documentos inúteis, e será sempre de alto risco – por tanto, não desejável, por que governar à vista nunca pode dar certo e pode ser até um golpe fatal. É também neste aspecto que tem de ser melhor avaliada a consistência deste acordo que precisamos ainda de conhecer melhor.

Mas quero aqui também expressar a minha esperança de que este acordo permita a construção efectiva de um país (Portugal) mais justo, mais solidário, mais eficaz e fraterno para os portugueses, pois como disse o dramaturgo Shakespeare, nós “somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos”; ou então,como se cantava na minha juventude, “vivemos pelos sonhos que sonhamos”. Nenhum de nós leva para a sepultura, na hora da despedida, casas, empresas, automóveis ou barcos de recreio. Mas pode deixar a quem fica, como legado duradouro, os sonhos, as ideias, a capa cidade de pensar e decidir com um sentido humanista da vida, onde caiba a compreensão pelos outros e a recusa dos dogmas que fanatizam, também dos preconceitos humanos e partidários que erguem muros incompreensíveis entre as pessoas.

Mas convém desde já referir, nestas novas circunstâncias políticas, que só por indesculpável cinismo e imaturidade se poderá apontar já para o fim da austeridade, porque o Orçamento para 2016 será muito mais difícil do que pensam algumas cabeças. O contexto internacional piorou, nomeadamente o que nos está mais próximo (Angola e Brasil). A recuperação das finanças públicas tem sido muito débil. A previsão do crescimento económico de 3% é uma miragem e a dívida pública é brutal. A banca continua descapitalizada e com muitos buracos por resolver. A renegociação da dívida, como se viu na Grécia, não será aceite enquanto a Europa não for obrigada a mudar de rumo. A manutenção do défice abaixo dos 3% do PIB exige mais medidas de contenção. Se a tudo isto somarmos promessas de mais despesa, apenas mais despesa, teremos um “trilema” que terá de ser resolvido com outras medidas que não sabemos ainda quais são… e como já referi, dificilmente o Tratado Orçamental europeu será revisto.

Pela positiva, não posso deixar de sentir que sou hoje testemunha no meu país de um tempo político que é único – 40 anos após o 25 de Abril!

Faço por isso votos para que a esquerda portuguesa não se deslumbre e por isso que seja competente, exemplar e prudente a governar em relação à direita. Que honre na governança os heróis de todos nós, de Geraldo Sem Pavor a Aristides de Sousa Mendes, de Brites de Almeida a Salgueiro Maia, passando por Humberto Delgado e Carolina Beatriz Ângelo, mas também pelos grandes Camões e Pessoa, heróis entre os heróis, por terem sabido tornar eterna a pátria da nossa língua. Que ajude a tornar os portugueses mais livres, mais independentes, mais respeitados e mais dignos – pela sua capacidade de trabalho e pela aplicação da sua capacidade científica e tecnológica, formas de no mundo moderno se criar riqueza – que deve ser um bem comum.

E, finalmente, para que possamos deixar cada vez mais o “lamento português ”murmurado nestes versos de Alexandre O’Neill: “Portugal… meu remorso, meu remorso de todos nós”.

PS – Várias entidades e empresas recorrem cada vez mais a publicidade impressa em plástico para anunciar os seus eventos, com destaque para a Expolima. Tudo bem, se da mesma forma que afixam recolhessem esse material em tempo útil. Começa a ser bem visível nas margens do rio Coura, principalmente a partir da ponte de Mantelães, essa “praga do plástico”. A Câmara deve actuar, de preferência em conjunto com os outros Municípios da bacia do Coura, impondo regras exigentes para manter limpo um património natural de todos nós – e que vale ouro!

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