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Pedra sobre pedra

15 de Dezembro de 2015 | Manuel Martins
Pedra sobre pedra
Opinião

Tempo de Natal – tempo de lutar contra toda a falta de esperança! Mesmo sabendo que, na mesa da consoada, somos cada vez menos: porque uns partiram para sempre, outros estão indiferentes, alguns também se ausentaram mas para construir mundo (Roma, Moscovo, etc.) e assim, a “mesa da consoada” torna-se cada vez menos local de “festa”!

Vivemos tempos difíceis: avança claramente uma estratégia para uma Terceira Guerra Mundial, mas a guerra não pode ser a única forma de responder ao medo que querem impor ao nosso quotidiano através de actos terroristas. Mesmo sendo a actual situação crítica, ainda assim, diante de uma paranóia colectiva sobre o problema da segurança que não deixa de ser concreto e prioritário, mas não exclusivo, é necessário um projecto positivo de construção de um futuro integrado que saiba gerir os fluxos migratórios que correm agora o risco de ser demonizados – mesmo num povo como o nosso que, desde o sec. XV, conheceu bem esse fenómeno (Índia, Brasil, África, Europa).

É que a violência não se combate com violência, mas com uma paz criativa. Criar projectos de desenvolvimento sustentável nos países de onde parte a emigração em direcção à Europa, significa oferecer possíveis soluções à raiz dos fluxos migratórios.

E gerar também políticas de desenvolvimento integrado, seja social ou económico na nossa Europa, significa curar o tecido social, evitar tensões nas periferias e nos subúrbios onde nasce o terrorismo que nos atinge.

O desafio é grande, mas uma das formas de reagir, pode ser a aposta em continuar a viver normalmente. E, nesta linha de pensamento, conforta o exemplo da mensagem que Antoine Leiris, jornalista, que perdeu a mulher nos recentes atentados de Paris e ficou viúvo com um bebé de 17 meses, publicou:

“DOR, SIM, ÓDIO JAMAIS

Nunca terás o meu ódio.

Na sexta-feira roubaste a vida de uma pessoa excepcional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas nunca terás o meu ódio.

Não sei quem são nem quero saber, vocês são almas mortas. Se esse Deus por quem vocês matam cegamente nos fez à sua imagem, cada bala no corpo da minha mulher é uma ferida no seu coração.

Por isso não vos vou dar a satisfação de vos odiar.

Vocês fizeram por isso, mas responder ao ódio com raiva seria ceder na mesma ignorância que fez de vós o que sois. Vocês querem que sinta medo, que olhe os meus concidadãos com desconfiança, que sacrifique a minha liberdade pela segurança. Perderam. A vida continua.

Via-a esta manhã. Finalmente depois de dias e noites de espera. Estava linda como quando me apaixonei por ela há mais de 12 anos.

É claro que estou devastado pela dor, concedo-vos essa pequena vitória. Mas será por pouco tempo. Sei que ela vai estar connosco todos os dias e que nos vamos encontrar no céu com almas livres que vocês nunca terão (…)”

Mas não podemos deixar de ser chamados a recordar neste Natal as vítimas dos acontecimentos de Paris, os 200 mil mortos da guerra na Síria, os 4 milhões de refugiados nos países vizinhos, os 8 milhões que vivem em situações terríveis de falta de alimentos e de água – só neste conflito!

Mesmo assim, é em nome da esperança que devemos celebrar este Natal, também como um grande momento de misericórdia e perdão.

Tenho comigo para ler nesta época natalícia o livro “As mais belas histórias de Natal” apresentadas por Aquilino Ribeiro, com uma selecção dos textos de Urbano Tavares Rodrigues, numa tiragem especial de 485 exemplares então editada pela Arcádia – recomendo a sua leitura, pois vale mais que 485 prendas compradas num qualquer centro comercial, daqueles que agora “fabricam” o Natal.

E o Menino Jesus que nesta época natalícia adoptei, está na foto desta página daquela menina de 3 anos com madeixas loiras, com os lábios cerrados pela concentração num momento difícil, a atravessar pelo meio de arame farpado a fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Para onde vais, pequenina? O que te espera depois daquele arame farpado, depois dos campos atravessados a correr, dos comboios, dos autocarros, dos polícias, das fronteiras?! Assim, hás-de apreciar mais do que muitos outros a paz e a liberdade. E talvez venhas a ser protectora e defensora dos mais fracos num mundo, no meio de muita gente indiferente e acomodada, que se esqueceu do Menino Jesus.

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