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Quase primavera – A Portuguesa

9 de Março de 2021 | Helena Ramos Fernandes
Quase primavera – A Portuguesa
Opinião

Mas não falta só o quase. Falta-nos talvez “saudar o nosso Sol que desponta, sobre um ridente porvir”. Falta-nos o quentinho reconfortante da Primavera que por entre nuvens aparece, por vezes, envergonhado. Envergonhado por não nos trazer de volta a liberdade perdida, mesmo que a culpa não seja dele.

E nós, caro leitor? Talvez estejamos todos a passar por uma situação similar. Queremos devolver a liberdade a alguém, mas algo ou alguém nos impede de o fazer. Refiro-me a esta pandemia, mas refiro-me também às regras impostas por pessoas como nós. Pessoas que decidem por nós, para nós, e por vezes ou muitas vezes para elas.

Esta pandemia ainda não está controlada. Por isso confinamos. Confinamento e caça ao infractor, parece-me ser a estratégia de defesa deste Governo. Ainda nos encontramos no início do plano de vacinação contra a Covid-19. Um plano rodeado de muitos “ses”, estranhas prioridades, e muitos “talvez”. Mas, e o resto, caro leitor? Estará o resto controlado?

O resto, sim! Tudo aquilo que possa ser tão ou mais importante do que a pandemia em si só. A aprendizagem dos mais novos, e dos graúdos também. O desemprego ou o falso emprego. Os distúrbios alimentares, os excessos ou mesmo a fome. O distanciamento dos mais idosos, ou simplesmente o seu afastamento. A sanidade psicológica da população em geral ou as novas psicopatias. A falência empresarial ou a esperança baseada na bazuca mal afinada. O futuro da economia ou a economia sem futuro. A violência no geral e a doméstica em particular. Estarão estes problemas controlados? Estarão estes dados a serem estudados com cuidado neste enquadramento pandémico?

Os contágios por Covid-19, os casos activos recuperados, as mortes, são dados diariamente actualizados e apresentados a quem os quiser saber. E também chegam a quem não os procura. Do resto, caro leitor, pouco ou nada se fala. Apresentam-nos algumas teorias e bastantes pressupostos.

Nós estamos literalmente à beira de um precipício. Não sabemos ao certo se este é alto ou baixo. Se vamos cair por nós ou empurrados por algo ou alguém. Se essa queda nos vai provocar problemas ou se a mesma pode ser fatal. Se a suposta rede de contenção é fiável ou se continua a apresentar buracos. Tudo isso leva-nos a olhar para a vida sem olhar para os lados. Temos receio em saber o que esconde a cortina. O que o precipício nos reserva.

“Estou farta disto”, será talvez a frase de 2021. A verdade, caro leitor, é que estamos todos fartos disto. Queremos de volta a nossa liberdade. Queremos que quem decide, decida e lute de forma valente pela nossa liberdade. Seja bom ou mau. “Seja o eco de uma afronta, o sinal do ressurgir, raios dessa aurora forte”.

Eu acredito que não seja fácil decidir em situações deste género. Mas torna-se com certeza bem mais difícil se os objectivos e as metas forem pouco claros, e se os caminhos escolhidos também.

Voltemos à escola, caros políticos. Quando uma matéria é nova. Totalmente nova e desconhecida. É preciso estudar muito. Estar atento a tudo. Olhar para a frente, e olhar ainda mais para trás, para a bagagem que trouxemos do passado. Não é isso que as mães transmitem aos seus filhos, além dos conselhos “com beijos de mãe, que nos guardam”?

Para actuar em situação de crise é imprescindível estudar bem o que se pretende resolver e ter bem presente os exemplos do passado. Se não há muito tempo para isso, caro político, há por outro lado muitos assessores para o auxiliar nessa caminhada. A escolha do agasalho adequado poderá fazer a diferença.

As temperaturas teimam em não querer despedir-se da colecção de Inverno de 2019. Uma colecção que ainda se mantêm na moda por imposição pandémica. As temperaturas primaveris estão à espreita, envergonhadas, por não nos devolverem para já a liberdade para voar. Resta-nos por enquanto ter esperança, caro leitor, essa que “nos sustêm contra as injúrias da sorte”, a esperança de uma data mal anunciada para a imunidade de grupo.

“Saudai o Sol que desponta, sobre um ridente porvir, seja o eco de uma afronta, o sinal do ressurgir, raios dessa aurora forte, são como beijos de mãe, que nos guardam, nos sustêm contra as injúrias da sorte” (in Hino Nacional, A Portuguesa).

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