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QUOTIDIANO

23 de Janeiro de 2018 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANO
Opinião

 

Entre 1957 e 1964, os casos sobre crimes, noticiados no Notícias de Coura, são quase inexistentes. Agressões, desordem pública, atentado ao pudor são alguns dos crimes identificados, mas muito pouco se diz, ou se quer dizer, sobre os espancadores que atuavam pela noite ou no final da feira de Paredes.

Alguns crimes existiram, nesse período, relacionados com rixas individuais, tendo por base a divisão de águas de rega, casos passionais, crimes sexuais e ainda com passador de emigrantes.

Deste último, recordo-me, ainda criança no início da escola primária, de uma sala de audiências cheia de uma multidão de centenas de pessoas e de muitos militares da Guarda Nacional Republicana, num aparato fora do normal, e de um homem de semblante triste, caminhando desolada e lentamente entre a multidão, em direção à cadeia, fatigado pelas horas de audição de uma sentença que lhe retirou a liberdade por muitos anos. E como ele outros foram julgados e condenados e os emigrantes continuavam mesmo assim a pagar os olhos da cara por um salvo-conduto.

Passados anos, houve um crime muito requintado, ligado à Viscondessa da Casa do Outeiro, que envolveu contornos de falsificação de documentos e de muito mais. Se o processo existisse daria um romance de intriga e ganância humana, mas o incêndio no edifício do tribunal, na década de 1980, tudo levou e condenou ao silêncio. Talvez uma ou outra pessoa de Coura ainda conheça este crime e se o leitor deste texto, caso estiver nesse grupo muito restrito, talvez possa dizer alguma coisa.

Recuando mais anos, e agora na leitura de O Courense, de 1925, sabe-se que o “Maravilhas” foi morto à paulada por dois courenses, julgados e condenados ao degredo para África, depois de uma tentativa frustrada de fuga da prisão.

No primeiro número de A Voz de Coura, de 6 de março de 1903, lê-se que foi praticado um ato infame e vergonhoso, que muito depõe contra os nossos foros de civilização. E muitos outros crimes foram praticados em Coura, sempre com o tribunal de portas abertas para que fossem devidamente julgados, aproximando as pessoas e protegendo-as de um direito que jamais deveria ser colocado em causa.

E se o tribunal de Coura fechou, em setembro de 2014, por casmurrice política, e se, em janeiro de 2017, reabriu, já quando o desânimo tomava conta da esperança, tal se deve ao esforço enorme de um presidente e de dois vereadores, amplamente reconhecidos pela população de Coura, nas eleições de 2017. Quer dizer, assim, que ninguém ganha por mero acaso e que ninguém perde por azar ou por distração dos eleitores.

Um dos crimes mais frequentes dizia respeito às águas de rega, delimitadas pelo Código de Posturas do município de Paredes de Coura, em 1859, que funcionava como uma verdadeira antecâmara para se evitar a violência e o crime. Neste código municipal são usadas palavras como desinteligência, rixa, motim, sã consciência, probidade, verdade e disponibilidade, depois de um processo eletivo democrático em termos de participação das pessoas, para promover a paz entre as populações, que tinham na água um bem precioso para o cultivo dos campos, sendo afinal o seu sustento indispensável ao longo de uma vida de sobrevivência.

Anos mais tarde, nas posturas de 1900, numa moldura penal mais gravosa para as pessoas, verifica-se que a Câmara escolhia os partidores das águas, de modo a evitar, pela mediação baseada no bom senso, as desavenças entre vizinhos

E quando se fala em divisão de águas não posso deixar de recordar a poça de Rande, cuja água corre, presentemente, livre de rixas pessoais e de pessoas atarefadas no cumprimento religioso dos dias e horas que lhes estavam destinados. Desse tempo, sempre gostei mais de “destapar a poça” do que “tapar a poça”, deliciando-me com o jorrar da água libertada que enchia rapidamente as levadas, recortadas pelo canto superior dos campos.

 

 

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