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25 de Junho de 2024 | José Augusto Pacheco
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Gosto de entrar num café com gente, porque assim sei que não beberei o primeiro café que a máquina começa a tirar logo pela manhãzinha.

Há cafés e cafés, uns mais andadeiros, outros mais contagiantes quer na leitura de um livro ou de um jornal (mesmo que nos dias de hoje se faça essa leitura pelo telemóvel), quer numa boa conversa, quer ainda no saborear do espaço, com vistas para as movimentadas ruas da cidade (como gosto de estar, em Braga, no café d’A Brasileira).

A Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, é um desses lugares míticos e de deleite supremo, sem vistas para as desgraçadas ruas, que lá dentro deixaram de existir, e sem o ambiente cultural dos cafés de Viena, capital da Áustria.

De um ambiente cultural, diga-se a verdade, com um intenso cheiro a música clássica volteando em espaços de requinte francês.

Também são culturais os cafés de Buenos Aires, na Argentina, salpicados de livros que se podem ler em deliciosas chávenas sucessivas. É impressionante como o livro tem um impacto enorme nas pessoas, como se esse mundo maravilhoso da poesia, da prosa, da imagem e do som jamais acabasse.

Melhor sabor tem o café dessas grandes livrarias da cidade, querendo dizer, supostamente, que a cultura de um povo está num café ou num chá ou numa garrafa de água que dá sentido às palavras ou às imagens de um livro.

Também em Díli, junto à universidade, há um café algo especial. Não é pela decoração que se destaca, mas sim pela proximidade do espaço, onde se está a trabalhar longas horas, no computador, sem que se dê por ela.

Já gostei mais dos cafés icónicos de Lisboa, por onde andaram Bocage e Fernando Pessoa. Não os sinto como espaços culturais, tendo entrado na ferocidade do comércio.

E assim gosto de ir quase sempre ao mesmo café, no meu dia a dia, como se tentasse recuperar a familiaridade que nos transmite segurança e bem-estar. O “café da junta”, de qualquer junta de freguesia, pode ser um desses espaços. Porém, no meu caso, não foi.

Num dia de manhã, pelas dez horas, entrei num café de uma junta, em Braga, e pedi um café. Solicitamente, a senhora benzeu-se no recato da sua solidão e tirou-me o café, que eu bebi sem gosto algum e com uma enorme relutância.

Saiu-me a fava. Bebi o primeiro café que a máquina tirou nesse dia, pois o sinal da cruz significou que fui o primeiro cliente.

E lembrei-me desse gesto muito comum entre os comerciantes, e sobretudo dos vendedores ou das vendedeiras que frequentam a feira de Coura, que sempre gostam de dizer “leve, leve, patroa/ patrão, que é a minha estreia.”

 

 

 

 

 

 

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