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14 de Janeiro de 2025 | José Augusto Pacheco
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Opinião

De todos os livros de literatura que já li, será difícil escolher os títulos que mais utilizo no meu dia a dia.

Todavia, da minha experiência de leitor assíduo, e percorrendo autores de vários continentes, mas nunca esquecendo os de língua portuguesa, escolho dois títulos, não tendo para isso uma razão principal que determine tal opção senão a frequência com que os cito em momentos específicos.

“Por quem os Sinos Dobram”, do norte-americano Ernest Hemingway, é um romance sobre a guerra civil de Espanha, escrito em Cuba, onde o renomado romancista viveu.

Desde criança, ainda antes de entrar para a escola, o toque de sinos das igrejas sempre me fascinou, ora de sons alegres, ora os mais tristes, levando as pessoas, quando estes últimos ouviam, a perguntar (na certeza do sucedido): quem terá morrido?

Como era hábito, a Confraria do Divino Espírito Santo de Coura (documentada em excelente livro por Vítor Paulo Pereira) mandava “tanger o sino” pela morte de “irmão de termo” ou de “irmão de fora”, donde que o toque de morte era ouvido frequentemente na paróquia de Santa Maria de Paredes.

E como esses sons fazem parte do quotidiano de todas as paróquias sinos, o toque dos sinos é, com efeito, a rede social mais antiga de comunicação (por exemplo, o toque a rebate avisava para vários perigos, provindo de invasores, mais num passado longínquo, ou de incêndios, muito em voga até algumas décadas atrás).

Doutro título não consigo ausentar-me.

Pronuncio-o sempre que vou à caixa de correio e a encontro vazia ou desnudada de correspondência, se bem que o email e outros dispositivos digitais tenham alterado o modo como as pessoas comunicam entre si.

Falo do romance do boliviano Gabriel García Márquez intitulado “Ninguém Escreve ao Coronel”.

Trata-se de uma história triste, inundada de injustiça, sobre um homem que prestou serviços meritórios à sua pátria e que, passados muitos anos, esperava, amarga e impacientemente, pela recompensa que lhe proporcionaria outro nível de vida. E que nunca chegou.

Sei que ainda me falta ler mais livros.

Porém, e não tanto pelo enredo narrativo que corporiza personagens, mas pela força das palavras que o título contém, estes dois romances fazem parte do meu quotidiano, seja ele o toque de sinos que dolentemente sinalizam a partida, dobrando-se em choro social, seja ele uma caixa de correio silenciosa.

 

 

 

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