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17 de Novembro de 2015 | José Augusto Pacheco
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Opinião

No dia em que escrevo esta crónica, 11 de novembro, meu pai faria 100 anos.

Se tal acontecesse, teria toda a família à sua volta e a sua força de viver seria ainda suficiente para soprar e apagar as velas.

A vida é mesmo assim, afinal de contas, disse-o Fernando Pessoa, “Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer”.

Em vez de estar em Santa – e como gostaria de estar nesse aniversário em que meu pai sempre acreditou! – faço a viagem aérea entre Goiânia e Belém, rasgando o interior do cerrado brasileiro, para chegar às portas da Amazónia.

Esperam-me dois dias intensos de trabalho, mas as noites da doca de Alcântara, totalmente revitalizada pelos bares e restaurantes e lojas de produtos da região, serão uma boa recompensa.

Primeiramente, viajei para Florianópolis, a minha terra de preferência no Brasil, embora o Rio de Janeiro signifique para mim o não-lado de meu pai. E explico. Na década de 1950, três dos seus quatro irmãos emigraram para a cidade carioca.

Abílio e Amadeu jamais regressaram, tendo trabalhado, vivido e morrido no bairro de S. Cristovão, bem perto do Maracanã. Uma parte da minha família de Ferreira tornou-se carioca e com ela surgiu-me esse oculto apelo brasileiro.

Tiveram várias profissões, deixaram filhos, foram courenses na sua totalidade de ausentes forçados, como se a vida os tivesse desterrado para sempre.

A terra natal tornou-se para eles numa saudade contínua, menos sofrida para Abílio do que para Amadeu, dada a sua morte prematura.

Amadeu pouco tempo esteve emigrado no Rio. Ainda não compreendi a razão de tão curta estada em terra estrangeira, embora tenha a minha perspetiva. Viu e sentiu a dor sofrida dos emigrantes e não quis ser mais um barco à deriva e constantemente fustigado pela saudade. Penso que deve ter desaconselhado meu pai de emigrar.

O Arnaldo ficou em porto seguro e tornou-se viajante na sua profissão de motorista de uma empresa que tinha um nome e era um centro de amizade.

Amadeu chegou ao Rio e viu a vida difícil do emigrante dessa época e pouco tempo depois regressou a Coura com imagens fortes daquilo que não gostaria de ter para si e para os seus irmãos, situação agravada pela morte do Abílio, o mais velho.

Deve ter falado muito com Amadeu, que saiu de Coura em revolta aberta consigo e com o sistema político que então espezinhava as pessoas, por mais frágeis que socialmente fossem, e não teve dúvidas em regressar, transportando no seu falar já algum sotaque brasileiro, bem como muitas estórias que ia contando à garotada que à sua volta se sentava.

Chegado a Belém, e observando a imensidão das águas cansadas que correm para o Atlântico, presencio nas portas da Amazónia um pôr de sol, embelezado pelas nuvens carregadas de chuva, como se os opostos se tocassem na sua total plenitude.

E meu pai muito me diz neste dia do seu ausente centésimo aniversário.

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