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7 de Outubro de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Paredes de Coura é culturalmente rico na sua longa tradição de imprensa local, bem documentada no sítio do Arquivo Municipal. Ao longo de 125 anos, de 1895 a 2020, existiram 14 títulos, cada um deles inserido num dado contexto político nacional, que não exploramos nesta crónica, com a reedição somente do “Notícias de Coura”, em 2003, depois do período de 1956 a 1963.

Tenho por hábito reler os jornais, de forma mais demorada aqueles que ainda são do século XIX, já que são uma fonte valiosa para melhor conhecer o que foi Coura nesses tempos idos.

E os jornais são uma fonte inesgotável de informação, que o diga José Saramago, que, pela leitura dos jornais do ano de 1936, escreveu “No ano da morte de Ricardo Reis”, um dos melhores livros da literatura portuguesa, que João Botelho acaba de adaptar ao cinema, tal como o irlandês James Joyce o fizera, em “Ulisses”, cujos episódios se verificam, quase por inteiro, no dia 16 de junho de 1904.

Escolho, agora, o dia 11 de maio de 1899, com uma nota: a data representa o que durante uma semana aconteceu no concelho e que merece ser noticiado. Vivem-se os últimos tempos da Monarquia, reclamando-se, através da voz do povo, que mudem os processos de governação e que eles sejam mais justos, pelo que “somos de parecer que o parlamento deve ser indefinidamente fechado” (na ausência da assinatura do texto “Meios extremos”, as ideias são assumidas pelo Diretor do jornal, Padre Casimiro Rodrigues de Sá).

E continua, ainda mais politicamente agressivo: “Nesse caso, os altos poderes do Estado seriam confiados a uma ditadura composta de elementos fortes e patriotas, que livre de peias procurasse corajosamente arrancar-nos [do] perigo que corremos, ou mesmo a um governo militar, que alheio a sentimentalismos equívocos pugnasse de preferência a tudo pela salvação de Portugal”.

Ou seja, nesse ano de 1899, em que os republicanos já cercavam a monarquia por todos os lados, o que se propõe, no jornal “O Clamor do Povo”, é a reformulação política da Monarquia, a quem compete operar a mudança, pois a “essa moderna deusa”, que são os republicanos, não se pode entregar o governo do país.

Esta leitura do artigo é bastante interessante por dois motivos: um, porque a imprensa local era o espelho do país; outro, porque se escrevia em liberdade de ideias e de pensamento, sem medo de assumir as convicções políticas.

Nestes seus primeiros anos de jornalismo local, Casimiro Rodrigues de Sá tem missão clara de salvar a alma nacional através de uma narrativa que tem duas faces antagónicas. A face da desgraça, em que a política provoca uma enorme ferida, escorrendo sangue, por um lado, e a face da clarividência, com uma proposta salvífica, por outro.

Tudo bem, são ideias de um dado tempo e dos vários contextos. Porém, há uma questão que me inquieta. Tendo sido um republicano confesso, um lutador na I Grande Guerra, bem como um político nacional e local clarividente, por que razão se remeteu ao silêncio nos anos iniciais da ditadura do Estado Novo?

 

 

 

 

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