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27 de Setembro de 2022 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Quando se é pequeno, um rapaz ou uma rapariga de tenra idade, como se a agulheta da vida fosse controlada pelos adultos, olhando-se para a criança como aquela que virá a ser alguém, numa negação total desse mundo maravilhoso, temos o mundo nas mãos, enfrentamos tudo com a maior das simplicidades e usamos a imaginação como ferramenta de construção do presente.

Daí que o brincar seja tão importante no desenvolvimento de uma criança, abrindo-lhe novos mundos e novos imaginários, como se a realidade fosse reinventada da forma mais genuína possível.

Não me lembro muito dos meus brinquedos. Mas lembro-me muito bem daqueles de madeira leve, na forma de carrinhos e de animais, que ainda hoje fazem parte do artesanato local, como pude verificar, em tempos, no museu natural das ilhas de Abaetetuba, município do estado do Pará, Amazónia brasileira.

Também me lembro de jogar ao espeto e ao pião, tendo como prémio ou castigo botões, tal como de jogar às escondidas, e pouco mais, a não ser, já mais crescido, da moto de madeira, lançada pelos caminhos descendentes de Santa, como se fazia com o carrinho de quatro rolamentos, que pedíamos generosamente nas oficinas de motos e bicicletas.

Mas como tinha um mundo só para mim, partilhado com outras crianças, que também partilhavam o seu mundo comigo, não sabia que profissão poderia vir a ter, já que vivia de modo pleno a infância, em perfeita sintonia com a natureza. Digam-no os pássaros quando viam os seus ninhos descobertos ou sentiam, nos seus frágeis corpos, o embate violento das pedras saídas da minha tosca fisga.

Ou seja, quis ser sempre criança e também sempre de Coura, sem necessidade de conhecer outras terras de vida. Nesse tempo de boas ilusões, também quis ser colecionador, não de selos ou borboletas, mas de matrículas de carros.

Em vez de cópias ou redações ou contas, enchia os cadernos escolares de matrículas de carros, camionetas e camiões, como se estivesse a registar o mundo em movimento para sempre, e ali ficassem parados, sem rodas e sem combustível, aprisionados dentro de números e letras.

Por isso, treinei bem a memória para fixar registos numéricos (ainda que não tenha sido usado na matemática da minha escola primária, na ausência de professores que, metodologicamente, me despertassem para esse outro mundo de infinitas explorações) não sabendo que estava a definir a minha preferência pela história, essa imensa plataforma de eventos que são registados em números e palavras, como se fossem codificações no tempo e no espaço.

 

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