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VIDA DE EMIGRANTE EM ANGOLA

5 de Abril de 2022 | Utilizador Independente
VIDA DE EMIGRANTE EM ANGOLA
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AQUI É A MINHA SEGUNDA CASA

Tudo começou em 2004, época em que rumaram os primeiros courenses a uma Angola tremida, com rastos de destruição e a precisar de auxílio. Encheram o peito de coragem e valentia e lá rumaram eles, sem a mínima ideia do que os esperava do outro lado. Sabiam apenas que em Paredes de Coura deixavam as suas famílias, em busca de uma vida melhor.

Este é o meu caso. Embarquei nesta aventura em 2006, e se tivesse de escrever sobre os meus 16 anos de emigração em Angola, não chegariam as páginas deste Jornal para relatar todos os momentos que vivi por estas terras angolanas, de norte a sul. Contudo, é com grande orgulho que venho falar um pouco da minha história.

Prestes a aterrar em Luanda, depois de duas escalas e cerca de 11 horas de voo, fiquei impressionado com a vista panorâmica sobre a cidade. De imediato senti o choque do que estava a ver: prédios arruinados e kimbos (habitações) a perder de vista feitos de adobe e cobertos por telhados de colmo, ou chapa, que mais pareciam painéis solares vistos de cima. De seguida, dirigi-me ao aeroporto nacional para mais um voo, que me levaria até ao Lubango. E aí começava a aventura africana. Circular de jeep em Luanda nessa altura, como em qualquer outra cidade angolana, quer nas ruas quer nas estradas de alcatrão ou de terra batida, era como andar numa pista de obstáculos para nos desviarmos dos buracos, dos Candongueiros (carrinhas-taxi Toyota Hiace) ou dos Kupapatas (moto-táxi) que circulam tanto pela direita como pela esquerda, ou das pessoas que atravessavam as estradas sem olhar.

Chegado ao Lubango, fui morar para a casa de João de Almeida com mais colegas, actualmente amigos, e aqui vivemos uma época difícil, mas sempre com um forte espírito de união. Esta casa tinha pertencido a um arquitecto português, ex-colono que fugira durante a guerra civil. Embora a vivenda estivesse danificada, percebia-se que em tempos áureos era uma das melhores casas da cidade. Os edifícios que dominavam a cidade, quer os prédios quer as casas, são todos do tempo dos antigos colonos portugueses e, apesar do estado deteriorado em que se encontram devido à falta de manutenção dos actuais residentes, estes mostram a qualidade de vida acima da média em que os retornados viviam no tempo da ditadura salazarista. De realçar também as infra-estruturas no complexo desportivo da Senhora do Monte existentes nesse tempo: a piscina olímpica coberta, o pavilhão gimnodesportivo, a pista de karting, o estádio de futebol com campo relvado, a piscina exterior e o campo de tiro. Hoje, encontro-me num condomínio fechado com todas as comodidades de um resort de luxo: piscina, refeitório, restaurante para comemorações (o Jango), ginásio, campo de futebol, campo de basquete e ténis, centro e escola de equitação, pavilhões com quartos T0, T1 e T2, e casas particulares.

Os nossos primeiros trabalhos na empresa Omatapalo, consistiram sobretudo em reabilitar construções já existentes e construir outras de raiz na Huíla, como foi o caso do nosso condomínio e dos condomínios da Mitcha (um com 38 casas e o outro com 27). Com o passar do tempo, a empresa foi crescendo e expandindo a sua actividade por outras províncias do país: Namibe, Cunene, Huambo, Benguela, Luanda, Cuando Cubango, Zaire, Cuanza Norte, Malanje, Bié, entre outras. Ao longo desses anos, criei a minha equipa de trabalho constituída por 40 colaboradores, todos sob a minha alçada. Criam-se laços e vivem-se momentos cujas memórias vão fazer sempre parte de mim. É com satisfação que digo que esta equipa actualmente está bem preparada, pois foram assimilando os meus ensinamentos e aperfeiçoando as suas competências. A empresa tornara-se uma “escola” para as centenas de angolanos contratados nas mais diversas áreas da construção civil. A compreensão e a paciência foram fundamentais para que se estabelecesse um bom entendimento entre encarregados de obra expatriados e os trabalhadores nacionais, e para que estes tivessem um bom desempenho. Mas, não se iludam, foi um processo árduo e com dias menos bons, de um desgaste intenso.

Nos fins-de-semana, aproveitava o tempo para descontrair e conviver. Por mim são confeccionados pratos tipicamente portugueses nos almoços de domingo da Casa Courense (que se tornaram famosos entre os expatriados) onde todos os Courenses, e não só, se reúnem para matar saudades da gastronomia portuguesa e para pôr a conversa em dia. Por vezes, junto um grupo de amigos e lá vamos nós em direcção à Baía das Pipas. Percorremos cerca de 200km, ansiosos para iniciar o nosso acampamento na praia. Aí faço aquilo que mais gosto: caça submarina. Para mim, mergulhar no mar é mergulhar num mundo insólito onde tenho o prazer de ver a beleza da vida submarina e onde me esqueço de tudo o resto. À noite, acende-se a fogueira, grelha-se o peixe para o jantar e inicia-se toda uma maratona de partilha de histórias, aventuras e, claro, sem nunca faltar a música e as cantorias.

Foram (e ainda são) longos os km que fazemos por estas estradas fora percorrendo o país de Norte a Sul, cada recanto destas províncias, em prol do melhor para a comunidade angolana, e pela nossa empresa.

Tem sido uma longa jornada. Com altos e baixos, discussões e gargalhadas, mas acima de tudo sinto-me orgulhoso por tudo o que já construí até aqui.

Angola, é a minha segunda casa.

Manuel Cândido Pereira

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