Quando deixei Coura pelos meus treze anos já bem feitos, para estudar em Braga, na então avenida 28 de mai0, data que em 1926 marcou o início do fascismo em Portugal, com a deposição do Presidente Bernardino Machado pelas tropas de Gomes da Costa, havia uma casa de fruta que tinha o nome “25 de Abril”. Corriam os anos finais do Estado Novo, morriam soldados nas colónias, prendiam-se os opositores políticos, censuravam-se os jornais e demais publicações, havia a televisão do regime, atuava ferozmente a polícia política… e não existia a liberdade.
Vivia-se na penumbra da política, como se Portugal, vivendo numa redoma de vidro, estivesse protegido dos males de uma democracia. Ainda hoje quando passo pela avenida da Liberdade (depois da mudança de nome) me recordo desse local e do que passou a representar para quem tinha um 25 de Abril para festejar e viver intensamente.
Quando aconteceu esse memorável dia, que acompanhei pela televisão, tinha eu 18 anos. Estava no ponto político, conhecendo dados sobre as colónias que outros poderiam não ter, já que partilhava com missionários de Cabo Verde, Angola e Moçambique ideias sobre a tragédia que estava a acontecer, ouvindo que seria impossível ganhar a guerra, e que Portugal tinha de ser uma democracia.
Conhecedores do terreno africano e dentro da realidade política portuguesa, os missionários não se coibiam de dizer a verdade que era escondida ou ignorada, pois dos jornais e da televisão saía a mentira, como fosse possível prolongar o império português para todo o sempre, à custa do subdesenvolvimento do país e da mordaça política.
Vivi, porém, o 25 de Abril a partir de uma outra perspetiva. Não participei em manifestações de rua, não gritei palavras cheias de liberdade, mas assisti às conversas dos militares das forças armadas com o povo, a quem dedicaram por inteiro o golpe de estado.
Meu irmão era soldado por esse tempo. Fora mobilizado para Angola, Silva Porto, antes de 1974. Com o andar da revolução de 1974, a guerra colonial terminou oficialmente, mas o dia a dia dos soldados mobilizados tornava-se num inferno.
O que seria uma solução de dias, tornou-se num tormento de meses e anos. Regressado a Luanda, meu irmão presenciou a guerra civil angolana, vivendo-a por dentro, porque era um alvo militar, e por fora, estando a aguardar a viagem de regresso, que era sucessivamente adiada.
O regresso de meu irmão a Portugal aconteceu tempos depois, e foi aí que eu compreendi o verdadeiro significado do 25 de Abril de 1974, que agora comemoramos como tivesse acabado de acontecer, na medida em que a democracia é sempre frágil, exigindo que nunca nos cansemos dela falar, como algo de positivo que nos acontece diariamente.