O tema político de momento, como se estivesse permanentemente em aberto na história de Portugal, é o da reparação colonial.
Em Portugal, é um facto, pois esta questão já fez correr muita tinta noutros países, não sendo possível apagar o passado colonial que tivemos. Porém, uma coisa é devolver ou indemnizar e outra é integrar e ser justo para com os povos que falam a língua portuguesa, mantendo-a como língua oficial.
Brasil é um caso complexo. Presenciei várias situações em que me quiseram colocar no lugar do colonizador, como se as sucessivas gerações tivessem de ficar prisioneiras do passado.
Em 2019, desloquei-me ao município de Abaetetuba, no estado do Pará, região da Amazónia. O encontro académico decorreu numa comunidade quilombola (o livro “As doenças do Brasil”, de Valter Hugo Mãe, é um excelente guia para compreender a exploração dos escravos negros e a sua autolibertação), tendo como local de encontro uma escola quilombola.
O primeiro a falar foi o líder da comunidade, falando quer dos problemas existentes, sobretudo quando as suas terras são desejadas pelas hidroelétricas, quer de identidades culturais, afirmando que o colonialismo português teria de assumir as suas responsabilidades. E dirigindo-se a mim, que fazia parte da mesa, exigiu que eu, como português, deveria ali mesmo pedir desculpa pelo passado de sofrimento que os quilombolas tiveram.
Como era o último a falar, tive o tempo suficiente para pensar no que poderia dizer, podendo invocar alguns exemplos de outros países colonizadores ou então navegar pela história, certamente para dizer que o esclavagismo foi mais um problema estrutural do que um mero episódio deste ou daquele país.
Mas não fiz isso. Sem guião, e deixando-se mover pelas perguntas que muitos alunos me colocaram, respondi não com o passado, mas com o futuro que tem de ser construído conjuntamente por todos, sem nunca esquecer que é no presente que se faz a discussão do colonialismo territorial.
O facto de estar ali, disse, era algo que testemunhava a existência de uma estratégia de cooperação luso-brasileira, capaz de promover o diálogo e de abrir portas a culturas diferentes.
Não. Não pedi desculpa em nenhuma das palavras que proferi, em resposta ao presente e ao futuro que os jovens me pediram para falar. Contudo, não ignorei o que o líder quilombola me exigiu.
E disse-lhe: em vez de palavras, que rapidamente são esquecidas, há o afeto que gostaria de lhe demonstrar num abraço meu.
E nesse forte abraço que nos uniu por momentos eternos, com os aplausos de uma comunidade quilombola, senti que aquilo que une os povos marcados pelo colonialismo é algo de profundo, sendo necessário que não exista qualquer motivo que contribua para a sua separação cultural.