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6 de Agosto de 2024 | José Augusto Pacheco
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Opinião

É uma terça-feira de muito sol tropical, aquecendo-nos a alma com uma humidade contagiante, mesmo que as nuvens que pairam sobre Ataúro ou as que se escondem por trás das montanhas de Díli pr0metam um dilúvio de poucos minutos.

Choverá ou não, dentro de duas horas, em Díli?

Não experienciarei esse momento. É um facto. Estou no aeroporto Presidente Nicolau Lobato e subirei, muito em breve, para o céu de um sol sempre presente. E para trás deixarei Timor ou Timor-Leste ou Timor-Lorosa’e, ficando sempre a dúvida se um dia regressarei, pois tudo na vida tem um tempo.

Também deixarei para trás dez dias completos de trabalho em Díli. Dez, mas que se multiplicaram por muitos mais, visto que a diferença horária provocou noites de insónias longas, em que o computador ajudou a vencer o cansaço.

Foi dentro desses dias que a hospitalidade dos timorenses se manifestou intensamente, falando a língua portuguesa, perguntando por Portugal, vestindo a camisola da seleção, dizendo “Bom diá” ou “Boa tardi” ou “Boa noiti”, interpelando-nos, sorrindo-nos. Na lusofonia, Timor-Leste é a alma gémea de Portugal. Pela sua devoção extrema, é uma alma cristã.

Desta viagem, assisti, pela primeira vez, a uma missa dita em português, porque normalmente acontece em Tétum. Foi, indubitavelmente, uma das experiências mais ricas que tive ao longo de 15 anos de Timor-Leste, e realmente foram muitas, sobretudo as que envolveram contacto com pessoas de muitos sucos ou aldeias timorenses.

A identidade de Timor-Leste tem um fundo cristão bastante sólido, mais sólido ainda com a luta que levou à recuperação da independência, no célebre referendo de 30 de agosto de 1999.

Não há, assim, evento público que não comece com o hino (em português) e com uma oração. O resto é a fé, a misticidade, a devoção de um povo a uma causa política e a um sentir religioso perante os quais o “malai” (o estrangeiro) não deixa de ficar surpreendido.

E quem mais se deixou seduzir por Timor-Leste foi, sem dúvida, Ruy Cinatti, antropólogo e poeta que, tendo morrido bem longe, entregou por completo a sua alma ao povo de Timor-Leste, num pacto de sangue, em que este é extraído e bebido como néctar eterno que entrelaça presentes e antepassados.

Se não fiz como Ruy Cinatti um efetivo pacto de sangue, com todo o cerimonial de um suco, captei ao longo das maravilhosas viagens realizadas a Timor-Leste a leveza de um sentir que não se define por palavras ou gestos, mas tão-só pela espiritualidade familiar que totalmente nos absorve.

 

 

 

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