Na entrevista realizada ao escritor Mário Claúdio, a quem agradeço a sua afabilidade, há passagens que ficaram por publicar, sendo oportuno revelá-las sempre que possível. O romance “Apoteose dos Mártires” incluirá certamente Paredes de Coura na rota da literatura, como já acontece com o romance “A Casa Grande de Romarigães”, de Aquilino Ribeiro, mesmo que grande parte do enredo que envolve Frei Redento da Cruz se passe em terras orientais, começando em Goa e terminando em Achém. Com efeito, o romance completa a trilogia depois da publicação de “Os Naufrágios de Camões” e de ”Peregrinação de Barnabé das Índias”, como o autor declara:
“É uma trilogia sobre a diáspora portuguesa, que vai desde a descoberta do caminho marítimo para a Índia, que passa pela figura de Camões e logo a seguir desemboca na figura do Frei Redento da Cruz”. “Peregrinação de Barnabé das Índias” é a história da viagem marítima de Vasco da Gama, mas relatada por um grumete criptojudeu. “Os Naufrágios de Camões” versam sobre várias situações, algumas reais, outras imaginárias, sendo apresentada uma outra perspetiva de, pelo menos, uma parte de “Os Lusíadas.”
Apesar dessa centralidade oriental, Paredes de Coura, sobretudo Lizouros, está muito presente no livro, sendo uma variável constante, com frequentes referências à terra que jamais Frei Redento da Cruz esqueceu. Assim reflete o escritor:
“Sem dúvida, como se fizeram as terras de Portugal e toda a diáspora portuguesa. E repare nisto: Paredes de Coura deu imensas figuras à história de Portugal, que são anónimas e que poderiam vir a ser retratadas, por exemplo, há vários courenses que morreram na batalha de Alcácer-Quibir, para além de outras. Morreu nessa batalha o 5º conde de Vila Nova de Cerveira, da família de Tomás Rodrigues da Cunha. Essas famílias estavam todas ligadas, e que correspondem àquilo que era a nobreza mais antiga de Portugal, de descendência visigótica. Não nos podemos esquecer que o país começou a existir a norte e foi avançando para sul, e quem fazia a conquista eram pessoas ligadas à nobreza.”
O adolescente Tomás Rodrigues da Cunha, quando deixou Lizouros, viajou para Lisboa, e da capital do império das descobertas partiu para a Índia, na condição de militar. Portugal estava sob o domínio dos Filipes de Espanha, depois da aclamação de Filipe II de Espanha, nas Cortes de Tomar, em 1581. As conversas que a personagem courense teve com o vice-rei da Índia têm uma grande influência na sua opção religiosa. Eis como Mário Cláudio, contextualiza esse ambiente:
“Eu julgo que havia por parte dos espanhóis, dos Filipes, um respeito pelo império português, e o respeito manifesta-se logo nisto: os vice-reis da Índia nunca foram espanhóis, mesmo durante o domínio do período filipino foram sempre portugueses, e aqui está uma nota de respeito por aquilo que era uma pátria que estava dominada, mas os espanhóis abstiveram-se de pôr lá pessoas que correspondessem ao dominador. Eu acho isso uma coisa muito interessante, às vezes pergunto-me se tivesse sido ao contrário, se tivéssemos sido nós a Espanha, se teríamos feito a mesma coisa.”