A noite das palavras
Quando me preparava para escrever este meu texto, tive dúvida se haveria de escrever sobre a recentíssima edição, em português (Já há uma edição mais antiga, para nossa vergonha no Brasil!) de um livro notável, que havia lido na versão original, em Junho de 2015, o livro extraordinário – “Deus ou nada” – do Cardeal Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, por nomeação do Papa Francisco (Ed. Lucerna, com a chancela da Editora Principia e da Fundação Junção do Bem) – mas prometo ocupar-me deste magnífico livro – ou se haveria de “pegar“ num tema que me anda a bailar na cabeça há muito tempo: a noite das palavras. Optei por este último tema, pois já estava a adiá-lo há muito tempo.
Um autor que muito aprecio, Luigino Bruni, que tive o privilégio de ouvir em recente conferência que proferiu em Lisboa, num dos seus livros que não me sai da mesinha de cabeceira e a cuja leitura regresso muitas vezes, para “re-saborear” algumas das passagens que mais me impressionaram e estou a referir-me a “Redescobrir a Árvore da Vida“ (Ed. Cidade Nova, Abrigada, 2015), deu-me o mote para meu curto e simples texto que ofereço aos meus possíveis leitores. Luigino Bruni escreve, na obra referida (pág. 72): “O nosso tempo atravessa uma profunda noite da palavra e das palavras e, por isso, corre o risco de morrer afogado num mar de tagarelices, de chats, de sms. Temos absoluta necessidade de nos reconciliarmos e de reencontrar a palavra e as palavras, a sua seriedade e a sua responsabilidade.“ Logo a seguir (pág. 73), terminando o capítulo, escreve: “Cabe-nos a nós a responsabilidade de preservar a palavra.“
Na realidade, escutando-nos e escutando os outros, cada um de nós e dos media que nos “atacam“, já não damos conta de que a palavra e as palavras, sobretudo algumas, foram apagadas do nosso vocabulário. Estão adormecidas? Ou foram substituídas, por uma espécie de colonização lexical ideológica? Estou convicto que estamos a ser vítimas, umas vezes conscientemente outras nem tanto, de uma verdadeira depredação ideológico-lexical. Deixámos de usar palavras que encerram conceitos considerados ultrapassados. Dou exemplos do nosso quotidiano: não dizemos aborto, mas interrupção voluntária da gravidez; não dizemos divórcio entre marido e mulher para dizermos que alguém entrou numa nova relação; temos cuidado em dizer eutanásia e preferimos dizer morte assistida com dignidade; etc. Os meus leitores estão agora a pensar noutras situações em que a noite cobriu determinadas palavras. Não por cansaço destas. As palavras não se fatigam. As palavras, algumas, foram apagadas por agentes colonialistas do pensamento. Há uma verdadeira colonização ideológico-lexical para implantar novas formas de pensar e de agir mais concordes com a ideologia dominante do relativismo e do uniformismo do pensamento.
A nossa sociedade está a transformar-se rapidamente e um dos agentes aceleradores desta mudança é, sem dúvida, a noite da palavra.