Última Hora

Falando de eleições

20 de Outubro de 2015 | José Manuel Alves
Falando de eleições
Opinião

Como vem sendo hábito, nos últimos anos, decorreram em salutar ambiente democrático as Eleições Legislativas, do passado dia 4 de Outubro. E outra coisa não seria de esperar de um povo que já tem maturidade política e uma vivência de quarenta e um anos em democracia. Mas nem sempre foi assim. Muitos de nós, ainda se recordarão dos primeiros tempos, a seguir ao 25 de Abril, em que se realizaram eleições ditas livres, dos atentados à liberdade de expressão e das ilegalidades que se cometiam. O caciquismo, uma herança terrível do passado, pairava por todo o lado, influenciando e coagindo os menos politizados e, por vezes, seus dependentes, a votarem nas suas cores, no seu partido e, mais grave ainda, muitos deles participavam nas actividades antidemocráticas que promoviam. O mais frequente era o rasgar de cartazes de partidos de esquerda, em pleno dia ou pela calada da noite, de acordo com as circunstâncias, só deixando afixados os que eram afectos aos seus partidos.

Nos primeiros tempos, a propaganda sonora era maior e mais intensa e chegámos a presenciar a chegada de outros carros, também com aparelhagem sonora que, junto de outras forças políticas de esquerda, boicotavam as suas mensagens, proferindo agressões verbais ou passando música com o som elevadíssimo.

Outra actividade verificada e que chegámos a presenciar, era postarem-se alguns elementos desses partidos a poucos metros da mesa de voto a distribuírem propaganda no dia das eleições e influenciando os menos politizados.

Na contagem dos votos faziam o que podiam e quando não havia delegados dos partidos para fiscalizar, acontecia de tudo. Haveria muitas histórias para contar… Como fui delegado às mesas de voto, desde o início, presenciei muitas situações irregulares e recordo algumas delas. Numa certa freguesia do nosso concelho, um delegado de uma antiga coligação de direita, apresentou- se junto da mesa com o símbolo dessa força política na lapela do casaco e que não era permitido por lei, mas ainda fez pior… quando apareciam pessoas das suas relações e pouco esclarecidas sobre a simbologia dos partidos e coligações, este dirigia-se logo para a entrada e, de costas voltadas para a mesa, apontava o dedo indicador para o símbolo que ostentava. Fez isso várias vezes, tendo sido avisado pelos delegados que estava a infringir a Lei. O sujeito, que era o cacique-mor da terra, recusou-se a mudar de comportamento e foi exarada uma reclamação, conforme previa a lei, e nem isso o desmobilizou dos seus intentos. Depois, alguém entrou em contacto com o mandatário da sua coligação que veio ao local e tentou demovê-lo da sua teimosia. Ele, furibundo e ameaçador, não deu o braço a torcer e foi-se embora.

Noutro local, a Casa da Junta de Freguesia ficava perto da Assembleia de voto e, com o decorrer do tempo, verificámos que grande parte das pessoas entrava na sede da autarquia antes de votarem! Mais tarde, viemos a saber que o seu presidente retinha intencionalmente o cartão de eleitor dos residentes, para que, quando estes o fossem buscar, ele pudesse influenciá-los a votar no seu partido.

O caso mais caricato e denunciante da actividade de alguma oposição reaccionária, passou-se num acto eleitoral, aí pelos finais dos anos oitenta. Como era costume, o grande fluxo de votantes era, e ainda continua a ser, aqui no nosso meio, no final da missa. Nesse dia, uma idosa na casa dos noventa anos, segundo a informação, com boa mobilidade e cheia de energia, entrou de rompante na sala, sem cumprimentar ninguém, dirigindo-se ao presidente da mesa, que era o seu ponto de referência e disse em alta voz: “Senhor…, benho aqui por mor de não me tirarem a reforma conforme me disse. Atom como faço?” O homem ficou enxuto e apreensivo com a sua pergunta e olhou-nos, disfarçadamente, tentando ler os nossos pensamentos e respondeu-lhe: “Vá ali e faça uma cruz num desses quadrados”. A velhinha, ingénua como uma criança pequena, ainda tentou que nós a ajudássemos, mas teve que fazer o trabalho sozinha. E se não votou no partido que o homem queria, não foi por isso que ficou sem a reforma!…

O obscurantismo de outros tempos, uns anos depois de Abril, ainda reinava por cá. Por isso, era lógico que não gostassem de ter os delegados dos partidos na Assembleia de voto que eram um entrave às suas ilegalidades.

Também recordo, à distância e com uma certa graça, quando, certa vez, a força política a que pertenço se preparava para fazer uma sessão de esclarecimento numa freguesia cá do burgo. Mal chegámos ao local, um sujeito lá da terra, pegou numa carrinha com altifalante e correu toda a freguesia a avisar os habitantes que não fossem à escola onde nós íamos fazer a nossa sessão de esclarecimento porque, isso, era perigoso…

Haveria muitas outras situações que mereciam ser relatadas, mas a exiguidade de espaço não o permite, mas gostaria ainda de referir o comportamento de um certo presidente de mesa que entregava o boletim de voto, pondo o polegar sobre o símbolo do seu partido. Em conclusão, o 25 de Abril não foi o fim de tudo, pelo contrário, foi o início de tudo o que, após quatro décadas de aprendizagem democrática, nos tornou cidadãos do chamado Primeiro Mundo. Hoje, felizmente, esses comportamentos já fazem parte de um passado que, esperamos, não volte jamais.

Quanto às últimas eleições, parece que estamos num grande imbróglio, mas não quero pronunciar- me, de momento, sobre elas, aguardemos, enquanto os partidos interessados negoceiam o nosso futuro.

Quero, no entanto, referir as reacções de alguns chefes europeus, que parece não terem ficado muito entusiasmados com os resultados. O porta-voz da Comissão Europeia afirmou: “Este resultado confirma a vontade da maioria do povo português de prosseguir o caminho das reformas”. Por seu lado, o presidente do Eurogrupo adiantou que o resultado era um pouco ambíguo, face à ausência de uma maioria absoluta da actual coligação. E disse ainda: “Vamos ver o que a nova situação nos traz”. Quanto ao ministro das Finanças alemão, considerou a vitória da coligação um encorajamento à política que tem sido seguida em Portugal e acrescentou: “Isto mostra que uma política pode ter sucesso, mesmo que imponha medidas duras à população”. Medidas duras tivemos e estamos a ter, quanto ao sucesso é que não se vislumbra!…

Não gostaria de terminar esta crónica, sem me referir à ausência do Presidente da República nas comemorações do dia 5 de Outubro, que decorreram nas instalações do edifício da Câmara Municipal de Lisboa, apetecendo-me perguntar: O cidadão Aníbal Cavaco Silva é presidente de quê? Da República Portuguesa, como é evidente. Partindo desse pressuposto, é inconcebível que não tenha participado. Tolera-se que o Primeiro-ministro não estivesse presente, envolvido na problemática das eleições do dia anterior, mas que o chefe máximo, representante do regime republicano, faltasse, isso não entendemos. Mas devemos ter paciência, é o que temos e não será por muito tempo!

Comments are closed.