Escrevi no Notícias de Coura do passado dia 25 de Outubro que, com estes resultados eleitorais, “o PS fica agora numa posição charneira, podendo ajudar uma maioria à direita ou criando condições para uma maioria à esquerda – António Costa transformou assim uma derrota eleitoral numa vitória posicional. Aguentará com sucesso, essa posição?”.
Essa vitória posicional do PS parece agora mais evidente.
Até porque o Presidente da República, Cavaco Silva, parece ter abandonado a ideia com que sonhou, herdada certamente do rei D. Carlos, de tentar instalar um Governo de “ditadura”, a que agora se chamaria semi-presidencial – dele com Passos Coelho –, da mesma forma que o penúltimo dos Braganças instalou a sua ditadura com João Franco – porque a repetição da história dava direito a um final de mandato presidencial muito turbulento, embora sem o risco da chegada de um Buiça pois, verdade se diga, este é um tempo moldado para “amansar” os cidadãos…
A solução governativa politicamente estável para que podiam apontar estes resultados eleitorais, de interesse nacional e responsabilizante dos partidos que nos últimos 40 anos têm governado Portugal (PS e PSD) – e que em conjunto podem com algum sucesso pressionar a Europa para aceitar rever o Tratado Orçamental – seria uma aliança paritária com a duração de 4 anos do PSD/ PS, ficando a oposição à direita a cargo do CDS e, à esquerda, a cargo do BE/ CDU – mas a coligação eleitoral e as posições políticas pré-eleitorais dos diversos partidos e, também os fracos resultados eleitorais conseguidos por cada um deles, criaram a necessidade de sobrevivência das actuais lideranças do PSD e do PS e não facilitam a criação dessa aliança paritária ao centro.
Não sendo possível esse entendimento, a esquerda em geral e o PS em particular conseguiram um acordo que é um marco histórico, legítimo no quadro constitucional, que vai permitir aplicar em conjunto o essencial das suas propostas políticas – chegou por isso a hora dos partidos de esquerda, pela primeira vez depois do 25 de Abril, submeterem à prova real as soluções que têm para governar Portugal.
No momento em que escrevo esta crónica, no prazo limite indicado pela Redacção do Jornal (9.No vembro.2015), falta-me saber com clareza se o acordo das esquerdas é para uma legislatura ou se é apenas para aprovação do Orçamento para 2016. Caso se destine apenas à aprovação do Orçamento/2016, trata-se de um “entendimento mínimo” e por isso considero que facilmente poderá ir para o baú, onde a história guarda os documentos inúteis, e será sempre de alto risco – por tanto, não desejável, por que governar à vista nunca pode dar certo e pode ser até um golpe fatal. É também neste aspecto que tem de ser melhor avaliada a consistência deste acordo que precisamos ainda de conhecer melhor.
Mas quero aqui também expressar a minha esperança de que este acordo permita a construção efectiva de um país (Portugal) mais justo, mais solidário, mais eficaz e fraterno para os portugueses, pois como disse o dramaturgo Shakespeare, nós “somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos”; ou então,como se cantava na minha juventude, “vivemos pelos sonhos que sonhamos”. Nenhum de nós leva para a sepultura, na hora da despedida, casas, empresas, automóveis ou barcos de recreio. Mas pode deixar a quem fica, como legado duradouro, os sonhos, as ideias, a capa cidade de pensar e decidir com um sentido humanista da vida, onde caiba a compreensão pelos outros e a recusa dos dogmas que fanatizam, também dos preconceitos humanos e partidários que erguem muros incompreensíveis entre as pessoas.
Mas convém desde já referir, nestas novas circunstâncias políticas, que só por indesculpável cinismo e imaturidade se poderá apontar já para o fim da austeridade, porque o Orçamento para 2016 será muito mais difícil do que pensam algumas cabeças. O contexto internacional piorou, nomeadamente o que nos está mais próximo (Angola e Brasil). A recuperação das finanças públicas tem sido muito débil. A previsão do crescimento económico de 3% é uma miragem e a dívida pública é brutal. A banca continua descapitalizada e com muitos buracos por resolver. A renegociação da dívida, como se viu na Grécia, não será aceite enquanto a Europa não for obrigada a mudar de rumo. A manutenção do défice abaixo dos 3% do PIB exige mais medidas de contenção. Se a tudo isto somarmos promessas de mais despesa, apenas mais despesa, teremos um “trilema” que terá de ser resolvido com outras medidas que não sabemos ainda quais são… e como já referi, dificilmente o Tratado Orçamental europeu será revisto.
Pela positiva, não posso deixar de sentir que sou hoje testemunha no meu país de um tempo político que é único – 40 anos após o 25 de Abril!
Faço por isso votos para que a esquerda portuguesa não se deslumbre e por isso que seja competente, exemplar e prudente a governar em relação à direita. Que honre na governança os heróis de todos nós, de Geraldo Sem Pavor a Aristides de Sousa Mendes, de Brites de Almeida a Salgueiro Maia, passando por Humberto Delgado e Carolina Beatriz Ângelo, mas também pelos grandes Camões e Pessoa, heróis entre os heróis, por terem sabido tornar eterna a pátria da nossa língua. Que ajude a tornar os portugueses mais livres, mais independentes, mais respeitados e mais dignos – pela sua capacidade de trabalho e pela aplicação da sua capacidade científica e tecnológica, formas de no mundo moderno se criar riqueza – que deve ser um bem comum.
E, finalmente, para que possamos deixar cada vez mais o “lamento português ”murmurado nestes versos de Alexandre O’Neill: “Portugal… meu remorso, meu remorso de todos nós”.
PS – Várias entidades e empresas recorrem cada vez mais a publicidade impressa em plástico para anunciar os seus eventos, com destaque para a Expolima. Tudo bem, se da mesma forma que afixam recolhessem esse material em tempo útil. Começa a ser bem visível nas margens do rio Coura, principalmente a partir da ponte de Mantelães, essa “praga do plástico”. A Câmara deve actuar, de preferência em conjunto com os outros Municípios da bacia do Coura, impondo regras exigentes para manter limpo um património natural de todos nós – e que vale ouro!