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A SOMBRA DAS PALAVRAS

3 de Agosto de 2017 | Armando Lopes
A SOMBRA DAS PALAVRAS
Opinião

Um país a arder.

1.º) A arder por causa dos incêndios. No passado mês de junho Portugal viveu uma das mais dramáticas tragédias dos últimos anos. Um incêndio no concelho de Pedrógão Grande fez 64 mortos e mais de 200 feridos. Já passou mais de um mês. Conclusões até agora são muito poucas. Responsáveis? Já sabemos muito bem como acabam estas coisas em Portugal, responsáveis não há, por certo ninguém será acusado ou culpado. Mais uma vez, desgraçados dos que morreram e dos que cá ficam a sofrer a sua ausência.

Logo nas primeiras horas alguém afirmou que o incêndio foi provocado por um raio, e até já tinham identificado a árvore atingida. Pelos vistos, tudo mentira, as trovoadas secas ocorreram horas depois do início do fogo. Pouco depois, a Sr.ª Ministra da Administração Interna lamentava a falha do SIRESP, pois “ardeu-nos a fibra”, disse ela. Sabe porque razão ardeu a fibra Sr.ª Ministra? Porque estava colocada por via aérea, em postes de madeira pelo meio da floresta. Sabe que a fibra já está a ser reposta Sr.ª Ministra? E sabe como? Pois é verdade, estão a colocar novos postes e vão voltar a colocá-la por via aérea, pelo meio da floresta. Mas agora já ardeu tudo não é? Já não há problema. Obviamente que não é a demissão de uma Ministra que vai resolver o problema, é preciso tomar medidas, e perguntar a quem sabe, a quem está no terreno. E pelos vistos isso não está a ser feito. Mais, nos últimos dias temos ouvido falar na lei da rolha, “Os comandantes de bombeiros estão proibidos de dar informações sobre os incêndios.” Quem vai dar os esclarecimentos é a Proteção Civil, pois afinal são eles que percebem de incêndios, os bombeiros não percebem nada disso. Talvez até se justifique esta decisão, talvez se ninguém falar de incêndios eles desapareçam.

2.º) A arder por causa das armas. Entretanto, a base militar de Tancos foi notícia por terem sido assaltados os seus paióis e roubado algum material de guerra. Mas neste caso houve logo consequências, cinco militares com responsabilidade na segurança foram logo exonerados. Entretanto já foram reconduzidos de novo às suas funções, isto apesar de sabermos que na altura do roubo não havia militares a vigiar as instalações e que o sistema de videovigilância estar avariado há cinco anos. Segundo o Sr. Ministro da Defesa a situação não é para alarme, pois roubos destes, diz ele, são frequentes, e o valor é de apenas cerca de 34 mil euros, alem de que muitas das armas estariam obsoletas. Alguém avise os ladrões, não se vão eles aleijar e exigir uma indemnização ao Estado Português.

3.º) A arder por causa dos ciganos. André Ventura, candidato autárquico a Loures, apoiado pelo PSD e pelo CDS/PP retratou os ciganos como vivendo “acima da lei” e “quase exclusivamente dos subsídios do Estado”. O país ficou chocado, as redes sociais inundaram-se de violentos ataques, o CDS/PP retirou o apoio ao candidato e a esquerda em peso insurgiu-se perante tão injustas e deploráveis declarações. Eu até compreendo alguma desta exaltação. Aquilo que me custa a ouvir é o tom de superioridade moral do PCP, um partido que defende ditaduras responsáveis por milhares de mortos e que há bem pouco tempo declarou estar solidário com o regime da Venezuela, apoiando Nicolas Maduro e condenando a “criminosa campanha de ingerência e de desestabilização do imperialismo e das forças da reação interna”, isto é, o povo. Tenham vergonha meus senhores, tenham vergonha.

4.º) A arder por causa dos festivais. Para acabar com algo positivo, estão aí (aqui) os festivais de verão, de norte a sul, do interior ao litoral, os festivais enchem-se de jovens de todas as idades, de artistas de todas as origens e fazem mexer as terras, estimulam a economia, melhoram o “astral” do povo. O melhor de todos é de 16 a 19 de agosto, numa praia bem perto de vocês!

Nota: Apesar de lhe apetecer, o autor não usou pontos de exclamação nas três primeiras partes desta crónica, por respeito às vítimas dos incêndios. Quem ler, saberá muito bem identificar as ironias presentes naquilo que foi escrito.

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