Tive a oportunidade de conhecer melhor Lamego pelo período da Páscoa. Já conhecia a cidade, sobretudo o santuário da Nossa Senhora dos Remédios, mas o seu interior era para mim completamente desconhecido, mesmo que já a tivesse cruzado várias vezes, pela estrada das muitas curvas que parte da Régua.
Tenho de confessar que fiquei deveras surpreendido pela monumentalidade, com destaque para vários edifícios medievais, caso da Sé e do Castelo, e das casas oitocentistas, embora a Igreja do Desterro, com uma riquíssima talha dourada, de estilo barroco, seja um verdadeiro encanto, que não fica atrás das igrejas similares que já visitei em vários locais do Brasil, incluindo as de Ouro Preto e do Rio de Janeiro.
Tenho de mencionar, ainda, a cisterna romana e o museu arqueológico, situados na parte alta da cidade, onde a visita é acompanhada de guias bem preparados para a missão nobre que desempenham.
Também me surpreendeu a hospitalidade das pessoas, numa simplicidade de bem receber e numa forte empatia que se estabelece com as primeiras palavras da conversa.
Mas a crónica é sobre um rio, pois, quando lia um texto sobre a Sé, verifiquei que o rio Coura tinha sido desviado do seu curso normal, para ampliação do largo e assim ser criado mais espaço.
Há quem lhe chame ribeira de Coura, sendo que a nascente se situa na serra das Meadas, não muito longe do centro da cidade.
Ribeira ou rio, o Coura de Lamego teve um nome árabe (Fafel) e a sua denominação atual, como se lê num prospeto de turismo, tem origens em práticas ancestrais de lavar os “coiros” dos animais nas suas águas frescas e frias. Interessante esta hipótese, que está a léguas da que é mais plausível para o Coura de Coura.
Com o passar dos tempos, e com a necessidade de aumentar espaço urbano, o rio foi sucessivamente escondido por aquedutos, chamando-se-lhe o rio que ninguém quis. No século XV, citando outro documento, referia-se a existência de um “ribeiro que vem pelo meio desta cidade [a] que chamam Fafel, nasce daqui a meia légua, em Penude, e vem pelo lugar de Medelo, cabeça de morgado, que é perto desta cidade, entra[ndo] pela povoação da Sé… este ribeiro se vai meter no rio Balsemão”, um afluente do rio Douro.
No século XIX, no seu percurso urbano, o rio ficou quase completamente coberto. Mesmo assim, perto do santuário, ainda se pode ver o rio Coura correr livremente em direção ao centro da cidade, ficando escondido pelos edifícios e estradas, para depois se mostrar novamente, antes de entrar no rio Balsemão.