As eleições legislativas do próximo dia 6 de Outubro aproximam-se a passos largos. Por esta altura, as comissões distritais dos vários partidos políticos enfrentam uma autêntica dor de cabeça na composição das listas. Há muitos disponíveis para ocupar um lugar de deputado na Assembleia da República. Mas há poucos lugares. Talvez quatro ou até menos. Há muitos concelhos para agradar ou agradecer. Conforme o caso!
Os presidentes daquelas comissões são dos mais pressionados por esta altura. De lá de cima recebem uma ordem para “ficar este”. Mas cá de baixo fulano e sicrano são vistos como promissores e a maior parte dos militantes esperam vê-los em lugares elegíveis. Há quem queira este para cabeça-de-lista. Só que outros preferem antes “aquele”. E muito a volta dos concelhos e número de militantes e/ou eleitores. Resultado? Hora infindáveis de reuniões. A maior parte delas inconclusivas. Mas no final, tem mesmo de existir uma lista que poderá ser validada ou não pela respectiva comissão nacional.
Mas quem são estas pessoas que tantas dores de cabeça dão? São gente que se compromete a cumprir o artigo 14º do Estatuto dos Deputados relativo aos Deveres dos Deputados. Quais são eles?
a) Participar nos trabalhos parlamentares e designadamente comparecer às reuniões do Plenário e às das comissões a que pertençam; b) Desempenhar os cargos na Assembleia e as funções para que sejam eleitos ou designados, sob proposta dos respectivos grupos parlamentares; c) Participar nas votações; d) Assegurar o indispensável contacto com os eleitores; e) Respeitar a dignidade da Assembleia da República e dos Deputados; f) Observar o Regimento da Assembleia da República.
E pronto. Apenas isto.
Para que o caro leitor perceba, não existe uma única alínea nos Deveres de um deputado na Assembleia da República que o obrigue a defender acerrimamente o seu distrito ou a terra que o viu nascer.
Agora leia novamente os Deveres. Eu espero.
Percebeu? Está certamente a pensar o mesmo que eu. Em português bem dito, uma enorme léria. Seis alíneas de conversa fiada onde fica demonstrado que o dever do deputado na Assembleia da República se resume a ir aos plenários. Sentar-se. Votar (a maior parte das vezes sem liberdade de voto) e ir embora.
Mas que grande seca, não é? Sendo assim não há emoção nenhuma. Mas afinal quem é que quer fazer uma coisa destas tão desinteressante? Ninguém, claro. A não ser quando o dinheiro fala mais alto. E é então aqui, caro leitor, que entra o vencimento de um deputado na Assembleia da República que não é baixo.
Eis então a principal razão que moverá muitos (lamentavelmente) a beijar os pés de outros só para arranjar um lugar catita no comboio para o Palácio de São Bento. O dinheiro. Apenas o dinheiro e nada mais.
Depois de eleitos, acontece o já expectável. Passam quatro anos com o rabinho sentadinho na Assembleia da República. De vez em quando uns bitaites sobre o distrito para ficar bem. Passam a vida a publicar fotos nas redes sociais para dar a impressão que trabalham, fazendo do Zé Povo um labrego que não percebe que fotografar é algo muito diferente de escrever. De produzir ideias próprias. Existem no entanto aqueles que defendem o seu território e intervêm em prol dele. A maioria das vezes são os recém-chegados ou os que ocuparam a lista para a fortalecer mas em lugar não elegível.
Posto isto, deixemo-nos de partidarites e façamos esta reflexão: Que deputados queremos nós? Em que deputados nos revemos nós?
Acredito que não seja nada fácil para os mais seguidistas votar cegamente no seu partido, mesmo sabendo que um ou até mesmo todos os eleitos vão para a Assembleia da República apenas para passear. Tenho pena desses chamados acólitos dos partidos.
Espera-se mais. Muito mais de um deputado na Assembleia da República. O tal cujos deveres não passam obrigatoriamente por defender e lutar pelos interesses do seu distrito. Isto não é um dever… muito menos uma obrigação. Por incrível que pareça.
Portanto, caro leitor, recomendo vivamente que antes de votar nas próximas legislativas, analise bem os primeiros nomes de cada lista. De cada partido. Deixe-se de partidarites. Faça uma reflexão mais aprofundada e tente perceber os que estão dispostos a ir para Lisboa lutar por nós e aqueles que estão a pedir-lhe a si um bilhete para passear. Apenas isso… um bilhete para umas férias de quatro anos. Imagine!
Propor à Assembleia da República a revisão do Estatuto dos Deputados? É uma excelente ideia, caro leitor. Mas faça agora uma pequena ideia do interesse da generalidade deles em alterar esse tal artigo referente aos deveres.