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10 de Março de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

É usual pelas terras de Coura, na sua origem do concelho de Coyra, utilizar a palavra carrada.

O dicionário diz que é uma carga de carro – faltaria dizer que seria um carro de bois, no princípio, evoluindo depois para a camioneta de carga ou para o automóvel –,   significando, no sentido informal, uma grande quantidade de alguma coisa.

Diz-se, assim, carrada de areia, carrada de gente, carrada de filhos, carrada de fruta, carrada de vinho (bebedeira), carrada de lenha, como se diz às carradas, ou seja, em abundância, ou ainda carradas de razão, que talvez eu não a tenha nesta crónica.

Também o termo é utilizado para se dizer de alguém que ele está encharcado, devido não à água da chuva ou da fonte ou do ribeiro ou do rio, mas à gripe, pois estar molhado denota debilidade e fraqueza.

Que carga ou que carrada! – costuma dizer-se.

Por exemplo, que carga ou que carrada de gripe!

Bem, não convém agora dizer isso a alguém, senão somos corridos de uma forma desagradável, tanto pelas palavras, como pelos gestos, já que existe o medo, oculto e não declarado, mas que se lê no rosto das pessoas, de sermos contaminados pelo coronavírus e, desse modo, ficarmos pesados de mais pela carga infeciosa.

Estamos, e pela primeira vez na história da humanidade, a enfrentar ao mesmo tempo dois vírus (e qual deles o mais perigoso!): o vírus infecioso, com consequências graves para a saúde física das pessoas, e o vírus da desinformação, veiculado pelas redes sociais, que traz graves problemas para a saúde mental.

Por isso, não há como evitar a contaminação,

Somos alguém que está na linha de um pêndulo, entre o que é clinicamente perigoso e o que é assustadoramente preocupante, fazendo de nós clientes de um mundo que nos ameaça, onde quer que estejamos e o que quer que façamos.

Mas hoje em dia apenas queremos adiar, cancelar, evitar sair, ficar por perto, deixar andar, desejar que as coisas não evoluam rápida e descontroladamente e que não tragam carradas de dúvidas.

Gostamos, por isso, das carradas de silêncios, apenas expressos em palavras tímidas.

Mesmo assim, olhamos em frente, vivemos, erguemos a cabeça, cumprimentamos as pessoas, caminhando de par em par com essa possibilidade do coronavírus, pois do outro já estamos hiperinfetados.

Sabemos que as coisas podem piorar, mas também que os cenários alarmistas traçados podem não passar de meros modelos matemáticos.

Sabemos a possível estatística: tantos infetados, tantos curados, tantos que não têm cura. E sabemos, de igual modo, que haverá um pico e que depois os casos descem e que depois há uma vacina e que depois será uma simples gripe.

É o trajeto desses malfadados vírus.

Enfim, é esperar para ver, ou andando e contando, como diz a sabedoria popular!

 

 

 

 

 

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