Faz 10 anos no dia 13 deste mês que morreu António Ferreira, rubianense esturrado, courense apaixonado, com Lisboa amancebado e fadista por inteiro.
Como o tempo passa, dez anos a voarem; dez anos a manterem cada vez mais viva a chama da saudade pelo António, um dos meninos imberbes que Rubiães deixou partir para Lisboa naquele tempo em que zarpar era a única porta de saída para o futuro. Por lá mourejou, por lá se especializou na indústria hoteleira, desde a taberna do tio, na Póvoa de Santo Adrião, ao Cacho Dourado e ao Santiago, até um dia se estabelecer com o irmão Joaquim no restaurante e casa de fado “Os Ferreiras”, na Rua de São Lázaro. Naquele dia, bateu-lhe forte a alma, até aí escondida, de fadista. O António também cantava, mas já dizia a velha e sábia gente do fado, tão fadista é o que canta como o que sabe ouvir. O António sabia ouvir, sentia o fado como ninguém; sentia o fado, sentia Lisboa, a Lisboa das vielas, da faca e alguidar, a genuína Lisboa do bairro, aquela que deixámos morrer sem os cuidados paliativos, que vendemos aos turistas e deixámos que transformassem uma cidade num mosaico de bilhetes-postais, que dor de alma esta, afinal sem o fado e sem aquela Lisboa a vida não fazia sentido para o António. Todavia, entre a paixão e o desamor, o Menor e o Mouraria, o coração do António nunca esqueceu o tom de uma nota só, a melodia doce das suas raízes, das suas gentes, da sua família. Que saudades, meu irmão!
Injustos os desígnios da natureza, fazer morrer alguém aos 56 anos é obra do diabo. Alguém que amava a vida como o António amava. Que vivia a vida por inteiro; alguém que conseguia estar ao mesmo tempo no passado, no presente e no futuro, de tal forma tinha a arte de saber condensar o mundo inteiro na palma da mão.
A cada ano que passa melhor vamos sentindo a natureza boa deste homem que nunca negou nada à sua terra, quem não se recorda das célebres noites de fado em Rubiães inteiramente a expensas suas, e da inauguração da Casa dos Dadores, com elencos de luxo: Fernando Maurício, Mariema, Ricardo Ribeiro, Carolina Tavares, Pedro Galveias, Artur Batalha, Diogo Rocha, Jaime Dias, quantas folhas há do jornal para continuar esta lista?
Pela parte que me toca, como amigo-irmão, fadista de saber ouvir e sentir, apaixonado pelas raízes, amante daquela Lisboa, e ainda em nome deste que era também o seu jornal, o jornal que o António apoiou desde a primeira hora, aqui fica um beijo do tamanho da bondade de um homem único. Ver-nos-emos, António!