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21 de Julho de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Por estes dias, escrevi num dos dispositivos das redes sociais, daqueles que nos controlam permanentemente, querendo definir os nossos gostos e traçar os nossos caminhos, por mais que digamos que isso não acontece, que “há toda uma sabedoria, que eu desconhecia, na recuperação de uma água corrente, que ganhara ar e que se recusara a correr. Que aprendizagem!”

Foi a frase que me surgiu num momento de enorme satisfação, depois de dois meses e meio de tantas coisas que foram acontecendo.

Primeiramente, o cano que foi rasgado por uma máquina, que tem dono, mas que parece não ter responsável. Culpa? Não, não, isso não é com a empresa de construção civil. Essa situação faz-me lembrar o “gado de vento”, como é referido no foral de Paredes de Coura, de 1515, e que hoje anda pela estrada da Travanca, na parte superior de Coura, e que, em caso de acidente, não há culpado, a não ser o desgraçado do condutor, se engraçado ficar para contar a estória.

Depois, passados dois meses, fez-se a ligação, porque antes não se podia, devido ao movimento de terras.  E fez-se, com muito profissionalismo.

Mas ligar os canos não significa que a água corra de imediato, mais ainda quando existe uma diferença de declive pouco acentuada entre os dois extremos da ligação, que percorre cerca de oitocentos metros.

Como já o sabia, por episódios anteriores, a água ganhara ar, e muito ar, apesar dos esforços realizados de sangria da água num dos pontos intermédios da ligação.

Foi realizado o teste, sempre aconselhável, da existência ou não de “raposos”, ou de raízes maceradas pela água do cano, e que dentro dele crescem assustadoramente, sem precisar de luz, somente de água. E isso lembra-me também a vida marinha do fundo escuro dos mares profundos, onde a vida jorra, abundantemente, em minúsculos seres, como se ainda estivessem na origem do mundo.

Por último, a parte mais difícil. A de injetar água no cano e de, sucessivamente, ir retirando o ar, que se acumulara, por muito tempo, e que servia de tampão.

Mas se é fácil de dizer, é deveras difícil de fazer.

E aqui há o princípio de Arquimedes: levantarei o mundo, se tiver um ponto de apoio. Mas o apoio físico agora é o de ter, ao longo do cano, pelo menos uns dois respiradores, que pode ser uma ligação em forma de “T”, ou então um furo que se faz no cano, se se souber o seu percurso.

E como tinha dois desses pontos, a técnica foi simples: injetar água no cano, com a pressão normal da rede de abastecimento, para o qual temos de preparar uma ligação segura e forte através de vários redutores, e esperar que ela saia no primeiro ponto. Deixá-la sair, com o barulho provocado pelo ar acumulado, e esperar que corra sem soluços e quase em silêncio.

Depois, faz-se o mesmo no segundo ponto e espera-se o tempo que for necessário. Com calma e sem stress. Ainda falta que a água corra até à nascente, levando para trás todo o ar que estava dentro do cano.

Por fim, retirar os redutores, deixar a água correr e saborear esta aprendizagem de vida, que está na experiência das pessoas e na sua sabedoria para resolver, de forma simples, grandes problemas.

Um enorme obrigado para as várias pessoas que me ensinaram a recuperar uma água, de baixa pressão, que já ia considerando perdida.

 

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