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30 de Novembro de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Desde que me conheço – e como nos vamos conhecendo ao longo da vida, porque cada pessoa é em si um alfobre de identidades – como elemento ou freguês da paróquia de Paredes de Coura (Santa Maria), sempre tive uma relação muito próxima com os três párocos que assumiram o destino religioso desta comunidade, nas últimas sete décadas.

ConhecI o Padre Nunes de Abreu quando a igreja nova estava em construção. Pela mão de minha mãe, ainda o vejo, na sua voz de comando, a orientar o trabalho árduo dos homens que transportavam, à força das juntas de gado, a pedra para os seus alicerces.

Depois conheci-o, já depois dos quatro anos da escola primária, na Telescola, que ele fundou com todo o mérito, proporcionando a muitos courenses a possibilidade de continuarem a estudar. Recordo-me das suas palavras calmas e confiantes, assumindo com toda a serenidade a passagem para a vida não eclesiástica. Tenho lido os seus textos e acompanhado o seu percurso de professor, mantendo-se a voz amiga e culta, que tanto prezo.

Ao Padre António Ferreira de Sousa devo-lhe quase tudo. Sou-lhe totalmente grato. Devo-lhe o seu interesse pelo meu percurso nos estudos, primeiro no seminário, depois na universidade, pois se não fosse a sua teimosia, que se aliou à de meu pai, não teria voado para lá da Telescola. Sempre o admirei como Padre, como amigo e como professor – e ainda como autor de livros que são essencialmente as suas memórias.

Recordo-me da sua paixão por Aquilino Ribeiro, com quem teve conversas literárias que me foi contando, recordo-me, também, das suas discussões “nobres”, no café de cima, com médicos e juízes, das quais ia sabendo pelo modo como para elas se preparava. Como num terramoto, eu era um pouco a pessoa que ia conhecendo, já na fase das réplicas, a agenda de tais discussões.

Deve-se ao Padre António o carinho que devotou ao ensino, a partir do momento que recebeu das mãos do Padre Nunes de Abreu as chaves da Telescola, que funcionou nas salas do 1º andar do Templo do Espírito Santo.

Com a saída do Padre António para a cidade de Braga, conheci o Padre Eurico Silva Pinto. Julgo que com a sua vinda para a paróquia se fez acompanhar da multidão que sempre existiu dentro de si, falando demoradamente com as pessoas a linguagem do entendimento humano, sem obstáculos. Fez-se de si próprio o outro, sendo ao mesmo tempo o lado religioso e o lado humano, sem distinção e sem fraturas.

De facto, foi o padre das gentes de Paredes de Coura. Afável. Conversador. Amigo.

A notícia da sua morte foi um choque. Terrível. Li e não quis acreditar.

Tornei a ler e compreendi, mas não aceitei. Por mais que tivéssemos acompanhado o seu calvário pessoal, mais pelas respostas que íamos obtendo de pessoas que lhe eram mais próximas, senti a brisa adversa a fechar portas e janelas, que sempre pensámos que estariam abertas.

Mas não. A vida é isso mesmo. Um sopro de uma eternidade frágil.

 

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