Em “Pedra sobre Pedra”, fazendo de cada crónica um caminho que leva dentro de si o estado de alma que abraça temas quotidianos, Manuel Martins fala, no seu último texto, dos talentos de Bernardino Machado projetados num dos seus netos.
Do senhor de Mantelães, assumido, por duas vezes, na figura de Presidente da República, e por duas vezes destituído por ditadores, falava-me meu pai, menino de Ferreira que, na estrada de Formariz, cumprimentava o “Senhor Presidente”. Do político republicano e amigo fala-nos Narciso Alves da Cunha, cuja carreira política, como presidente da Câmara Municipal e como deputado, muito lhe deve, mesmo tendo sido monárquico até ao último milésimo de segundo do regime.
De Bernardino Machado e de muitos outros políticos fala Raul Brandão no livro “Memórias”, cuja leitura nos enreda e transporta para tempos agitados e turbulentos de um Portugal entranhado de ruralismo e provincianismo, mesmo na cidade de Lisboa e seus arredores inundados de jogos políticos.
Tendo sido militar, de severas convicções, era natural que este escritor fosse cruel na análise da realidade social e política portuguesa, constituindo os seus livros uma valiosa fonte histórica para a análise da pobreza e da desigualdade (“E é da gente ignorada que levo as maiores impressões da existência. Foram os pobres que me obrigaram a pensar”).
Mas o que é que o escritor Raul Brandão diz sobre Bernardino Machado? Eis algumas frases que apenas podem ser compreendidas pelo contexto e pelo teor opinativo do escritor:
“A cópia da carta fora mandada pelo rei [D. Manuel II] aos republicanos – naturalmente ao Bernardino – antes de ser enviada ao Hintze”; “Os monárquicos já chamam ao Bernardino Machado ‘a nossa rainha’, e aos filhos que foram outro dia caçar à tapada de Mafra ‘os senhores infantes’”; “Revolução!? … sabe que mais? Diga aos nossos amigos do Porto que se vão preparando, mas é para as eleições; ‘Bernardização’ da lei da Separação das Igrejas do Estado, por lhe tirar as ‘asperezas’; “Foram os do Governo provisório que lhe imprimiram [à República] o feitio intolerante e jacobino – foram o António Costa, o Bernardino …”; “Já o Bernardino [do Brasil] é de outra casta … navega … conhece toda a gente, fala a toda a gente, maça toda a gente … é um homem de aço … de ferro? De borracha é que ele é. Pode passar-lhe um cilindro de estrada por cima que ele levanta-se logo, todo lépido, e tira o chapéu”; “O Bernardino é assim: a sua afetuosidade não é uma mentira, a sua bondade não é uma mentira. Mas é político e sacrifica tudo às suas ambições”; “Foi ele que teimou na nossa ida para o front” (para a Flandres, I Guerra Mundial].
Ou seja, um político dentro e por dentro dos acontecimentos.