Viver é muito perigoso, disse-o, em “Grande Sertão: Veredas,” João Guimarães Rosa.
Nos dias de hoje, en inícios da segunda década do século XXI, viver é muito mais perigoso, poderá dizer cada um de nós, e pelas razões mais diversas, ainda que todas elas tenham ao mesmo tempo o lado pessoal, a cada um os seus problemas, e o lado coletivo, num sentido de pertença a uma comunidade global e local.
Apesar do avanço da ciência, com técnicas cada vez mais inovadoras ao nível do conhecimento do corpo humano e da busca de medicamentos, vivemos perigosamente num labirinto de doenças, num carrossel de tristezas.
Essa é a nossa fragilidade enquanto seres humanos, por mais promessas de longevidade que sejam enunciadas.
Viver para lá do seu tempo é algo que o sonho tem alimentado, agora nutrido por uma fé extrema na ciência da vida, como se o ser humano, com todos os seus defeitos e com todas as suas virtudes, fosse recomendável para viver eternamente.
Viver é muitíssimo perigoso. Ontem, hoje e amanhã. O tal vírus, de seu nome mais simples Covid-19, é uma das muitas ameaças à espécie humana, traduzindo uma luta gigantesca entre humanos e não-humanos. Já levamos quase dois anos de experiência pandémica e todos têm algo a narrar.
Só que nesta luta há um dado absolutamente novo: do nosso lado está o pós-humano, ou a inteligência artificial, nas suas diversas formas de expressão, sobretudo pela ciência dos dados, cujas potencialidades são associadas aos algoritmos, isto é, processos computacionais de resolução de problemas, desde o caso mais simples (aspirador inteligente, seleção de uma pessoa para um determinado cargo) até às situações mais complexas (descoberta de vacinas para a Covid-19, entre tantas outras).
Viver é exageradamente perigoso face às alterações climáticas. O que vamos observando, por aqui e por acolá, é apenas uma pequena amostra daquilo que acontecerá em todo o lado, com uma natureza mais agressiva perante os maus tratos a que tem sido submetida pela crença desenfreada no desenvolvimento. A vida não é apenas lucro e a natureza sabe o momento adequado para no-lo dizer.
Viver é tristemente perigoso, como revelam os dramas humanos que os media têm divulgado de modo preocupante.
Cada leitor poderia escolher a imagem que mais o tenha impressionado, nos últimos tempos (século, décadas, anos), para demonstrar o inferno humano, por exemplo, ligada à guerra, aos refugiados ou aos torturados.
Poderíamos escolher uma imagem da 2ª guerra mundial, ou até da 1ª guerra mundial, uma imagem de um campo de concentração, uma imagem de refugiados ou de privação de liberdades fundamentais. Como partilha desta dor a que assistimos, e na qual estamos mergulhados, escolho a imagem de uma criança morta, em 2015, num areal desumano de uma praia às portas da Europa.
Essa imagem diz tudo sobre o que somos capazes de fazer quando impera a mais rude e estúpida desumanidade, aqui traduzida pelos “senhores” da guerra e pelos “senhores” de novas formas de escravatura do ser humano.