Face à crise financeira que tem vindo a assolar os portugueses desde 2004 e às dificuldades sentidas pelos jovens recém-licenciados em encontrar emprego, pelos trabalhadores e empresários portugueses de cumprirem os compromissos, de pagarem dívidas, de propiciarem melhores condições de vida às famílias, homens e mulheres enchem-se de coragem e decidem deixar tudo (a terra amada, os amigos, a família) para fazer as malas e emigrar para Angola.
De entre esses homens, estão alguns e algumas courenses. Foram trabalhar para uma empresa de construção civil portuguesa e angolana, a Omatapalo (tapa buracos em crioulo). É de louvar a coragem desses trabalhadores e o espírito de empreendedorismo dos que investiram em novos negócios em Angola, criando empresas com o objectivo de impulsionar a economia e promover o desenvolvimento num país marcado pela destruição de 30 anos de guerra civil. Agora, trata-se de um mercado que oferece inúmeras oportunidades.
Devo dizer que esta e outras empresas têm sido uma mais-valia para todos os “expatriados”, oferecendo-lhes condições de trabalho e de vida, e auxiliando-os na adaptação que, podem crer, não é fácil, devido às saudades da família e à miséria que presenciam. No entanto, ao fim de algum tempo, ajudados por um clima quente e pelo espírito de amizade e de solidariedade, quer de portugueses quer de angolanos, e fascinados pela grandeza e beleza exótica do país, lá vão criando laços e lá se vão habituando à vida descontraída dos Mawgoles que fazem tudo nas “lentas” e que vivem ao ritmo dos Semba, Kizomba e Kuduro. O choque de culturas é evidente, mas vão se adaptando e aprendendo um pouco mais sobre a cultura africana, alargando o seu leque de conhecimentos.
Foi também assim que me senti quando lá estive entre 2011 e 2012: acolhida, protegida e até muito feliz, não fosse o caso de ter deixado por cá as minhas filhas, já estudantes universitárias. Tomar a decisão de ir viver para o Lubango e estar com o meu marido, largando tudo aquilo que eu muito prezo nesta terra, não foi fácil. Debatia-me com sentimentos contraditórios: ansiedade, felicidade, medo, tristeza e saudade.
Contudo, adorei lá estar. Adorei o clima, as praias, as amizades, a simpatia dos angolanos e os aconchegantes convívios.
Perto do condomínio onde vivia e junto a uma capela, assisti à festa tradicional do Sul de Angola, denominada de Efiko, que marca nas meninas a passagem da fase da puberdade para a idade adulta. A partir desse momento, as jovens de 14 a 16 anos são livres de se casar com qualquer rapaz, desde que a família deste pague três bois, sendo esse pagamento um acto simbólico de poderio. Fiquei deslumbrada com os trajes tradicionais envergados pelas jovens, pelos penteados e adornos, mas sobretudo pelas danças ao som do coro e dos batuques.
Leccionei Português e Francês na Escola Portuguesa do Lubango, tutelada pela Cooperativa Portuguesa de Ensino em Angola. Esta escola foi inaugurada em 1998 e foi a concretização de um investimento do Estado Português para satisfazer a vontade da comunidade portuguesa, residente e luso-descendente, de ver os filhos frequentarem o ensino de currículo português. Trabalho era o que não me faltava, o que me ajudava imenso a não pensar na família e na terra. Foi das melhores experiências que vivi enquanto Professora, e onde fui muito bem recebida. Desde o enorme e incomparável respeito por parte dos alunos, ao desafio diário de ensinar num meio com escassos recursos. Dentro da sala de aula era genuinamente feliz, realizada e respeitada e, por breves momentos, era possível desligar do pesaroso mundo lá fora. No momento da despedida foi uma sensação de dever cumprido para com os meus alunos, pois sei que dei o meu melhor para lhes incutir ensinamentos para que, um dia, eles consigam realizar os seus sonhos e nunca duvidem de que são igualmente capazes.
Um ano lectivo que irá ficar para sempre na minha memória.
Ao fim-de-semana, uns jogavam bilhar ou matraquilhos, enquanto outros jogavam futebol. Outros, como eu e o meu marido, aproveitavam para passear até à cidade, visitar a Tundavala, o Cristo Rei e a Praça da Sé, fazer compras para os almoços de domingo ou ir até à praia da Baía das Pipas (Namibe). Tive ainda a oportunidade de conhecer as províncias de Benguela (a encantável cidade do Lobito), Cunene, Huambo e Luanda.
Falava com a família dizendo-lhes que estava tudo bem, mesmo que sentisse um grande aperto no coração e vontade de chorar. As saudades eram muitas, mas, graças ao meu marido, o meu pilar, consegui aguentar esta desafiante vida de emigrante.
Não, não é fácil a vida de emigrante em Angola, como não o é em nenhum outro país estrangeiro. Só se dá valor ao que é nosso quando se está longe. Que o digam os emigrantes!