Todos nós já nos deparámos com momentos onde nos encontrávamos completamente despidos. E é acerca da sensação de estar nu que irei escrever. Há bem pouco tempo tive uma experiência que me fez reflectir sobre esta temática, e dei por mim a comparar sentimentos e momentos onde já estive ou fui “despida”. Despida nos dois sentidos, tanto fisicamente como psicologicamente.
Mas o que é concretamente a nudez? Esta palavra representa inúmeros significados, desde um estado de espírito a uma obra de arte. Estar nu nem sempre foi algo a evitar. A nudez associa-se a situações onde algo nosso é exposto, desde uma parte do corpo a uma característica pessoal, algo que por norma é ocultado. Apesar de muitos acharem que sim, estar nu não foi sempre associado a algo chocante, visto que no passado era um símbolo da beleza e admiração. O que aconteceu para esta mudança foi a associação destes momentos ao carácter sexual e não sensual. Bem, pelo menos é isso que eu sinto. No entanto, também a nível mais interpessoal a nudez é algo a evitar, por vezes mostrar o que realmente somos é difícil, e eu admito-o, porque sempre tive esse receio. Surge-me sempre no pensamento as seguintes questões, porque é que eu tenho que revelar quem realmente sou? E se jogarem com essa informação e me magoarem? E a pergunta que mais me atormenta é ainda: Quem sou eu?
E assim surge a nudez psicológica, um género de nudez mais normal, digamos assim, e pelo menos mais aceitável socialmente. Esta passa pela demonstração daquilo que realmente somos sem filtros, e que pode acontecer por vontade própria ou como resultado de situações que nos levem a esquecermo-nos da “protecção” que supostamente criámos. Protecção essa que usamos por termos medo que nos descubram ou, por vezes, de nos descobrirmos a nós próprios. Mas refletcir sobre isso implicaria várias discussões filosóficas e autores que abordem o autoconhecimento, que talvez não nos levariam a algo concreto. Ninguém sabe a verdade e por isso devemos somente acreditar na nossa verdade e tentar sempre percebê-la, mas isso é uma conversa para depois.
Estar nu sempre foi uma afronta às sociedades modernas. Onde a presença de um tecido que nos cubra, passou a ser algo indispensável. Não pretendo dizer que sou contra essa atitude, considero sim que devem sempre existir excepções, sendo uma delas a nudez associada ao mundo artístico. O reconhecer da beleza do corpo despido, de qualquer forma e feitio, devemos valorizá-lo e nada melhor do que a expressão artística para nos ajudar nesta tarefa.
E foi neste contexto que muitos estilistas/designers bem como pintores, escultores, escritores e cineastas, resumindo, artistas tornaram a sua expressão um lembrete da beleza do corpo nu. E posso-vos dizer que fiz parte de umas dessas representações há pouco tempo. E não podia estar mais feliz por isso. É uma honra poder dizer que a minha primeira transparência quase total num desfile foi para uma estilista e mulher que admiro desde sempre. A Fátima Lopes, aquela para quem fiz os meus primeiros desfiles e que me tem acompanhado desde sempre no mundo da moda. Sinto-me feliz por ela ter confiado em mim para desfilar uma peça tão enigmática e elegante, que mexe com muitas mentalidades e acima de tudo mais um marco que transforma a ideia da nudez em algo sofisticado e numa demonstração de arte. A arte que todos somos, e que muitas vezes não sabemos valorizar.
Tal como o que eu experienciei, também este ano, outras marcas decidiram inovar e mostrar aquilo que se encontra por baixo das suas peças, o corpo humano. Recentemente um exemplo que foi muito referenciado foi o vestido que foi feito em pleno “palco” no desfile da Coperni. Onde foi apresentada a execução de um vestido com spray, em tempo real no corpo de Bella Hadid, uma modelo de renome no mundo da high fashion, como se fosse uma pintura, onde a tela foi somente a sua silhueta. Mas também outras marcas como Dior e Dolce Gabanna sempre tiveram presente a transparência camuflada detalhadamente…
Quando participei neste espectáculo onde tive que desfilar com grande parte do meu corpo exposto, passou por mim um mix de emoções. Tanto senti ansiedade e nervosismo como senti algo novo, uma adrenalina e aceitação pessoal que nunca tinha presenciado. Antes do grande acontecimento fui tomada por alguns sentimentos contraditórios após me ter sido apresentado o coordenado com o qual eu iria desfilar. Orgulho, felicidade, ansiedade e receio. Sentimentos que me remetiam para as seguintes questões: serei eu merecedora dessa grande responsabilidade que é apresentar uma peça tão delicada sem a desvalorizar? E o que será que, os outros, irão pensar e dizer, sobre essa minha exposição? Após esse grande dia, as questões foram-se desvanecendo porque senti além dos elogios a derradeira aceitação por grande parte das pessoas que me são mais próximas, o que desencadeou em mim uma emoção tão pura e bonita e me deixou confortável para aceitar qualquer comentário de ódio e repulsa.
Nesta crónica expus a minha intimidade e o que me dominou antes, durante e após a minha aparição “quase nua” na comemoração dos maravilhosos 30 anos de carreira da Fátima Lopes. Espero que ambas as exposições sirvam de exemplo para muitos de vocês, sobretudo porque em ambas as situações venci inseguranças e receios. Estes momentos reforçaram que o que realmente importa é aquilo que aqueles que amo sentem, e são eles que me fazem arriscar e correr pelos meus sonhos sem qualquer medo. Sejam vocês mesmos e lutem pelos vossos e não temam a aprovação social, porque nesta as duas faces estarão sempre presentes. O certo é que se vocês se sentirem bem convosco e com os vossos tudo correrá da melhor forma.
Sim, desfilei quase nua, mas foi através destas palavras que eu me despi na totalidade. E, agora sim, posso dizer que… estou nua!