Nesta edição do Notícias de Coura, faço uma pausa no meu artigo de opinião para dar lugar a uma crónica, ou parte dela, feita pela minha filha, Sandra Fernandes, para um trabalho de jornalismo literário da licenciatura que frequenta. Como se trata da nossa terra, caro leitor, e porque estamos perto do Natal, considerei pertinente oferecer-vos estas palavra desejando-vos um santo Natal e Feliz Ano Novo. Ambas esperamos que gostem deste momento de leitura.
Vamos ao “Bailarico”?
Como Courense que sou, e pelo respeito que tenho pelas minhas raízes, há algo que me tem vindo a remoer. “Onde estão os Arraiais?” é a questão que surge repetidamente na minha cabeça. Sim, aquelas 21 romarias courenses, onde se via toda a gente com um sorriso de orelha-a-orelha a dançar ao som das, tão adoradas, bandas populares. Estas festividades que reúnem a gastronomia e o folclore mais tradicional, são para grande parte dos courenses uma fuga, onde se podem divertir sem pensar nos afazeres. Têm como principal objetivo recolher donativos para o/a santo/a padroeiro/a da freguesia. No entanto, o Covid-19 chegou e acabou por adiar toda a ansiedade pelas “festinhas” que, em Paredes de Coura, acabavam por possibilitar o reencontro de amigos e familiares. Onde a alegria era residente assídua nestes eventos que reuniam pessoas de todas as idades, sem esquecer os nossos emigrantes. Era fácil tirar a avó e os netos de casa, não somente para ficarem a par dos mexericos e dançar sem amanhã, mas também para poderem disfrutar de um ambiente popular, algo que para Maria, uma senhora na casa dos 70, sem estes eventos poderá desaparecer.
Desde que se lembra, Maria frequenta os bailaricos. “Sinto que o propósito permanece, e revejo-me nas jovens que passeiam por lá”. Assume que sente falta dessas festas que a faziam sair de casa. No entanto, as suas motivações mudaram e neste momento não é muito de “bailar”, prefere ficar a ver e recordar a sua juventude enquanto se delicia com as roscas, rosquilhas e os papudos tradicionais. Para esta senhora, o que mais a encantava era a diversidade de pessoas que apareciam nestes eventos, sendo a sua reação de alegria por sentir que “Novos e velhos, ainda prezam a nossa cultura”.
Foi em julho de 2021 que pelo segundo ano consecutivo, surgiu em vários artigos jornalísticos a seguinte frase: “Covid-19. Festas e romarias populares continuam proibidas este verão”. Por saber que no meu concelho é atribuída grande relevância a estas festividades, procurei entre conhecidos, que assim como eu viveram estes eventos, histórias e opiniões sobre as romarias e a falta delas.
“Esta pandemia para além de escolher pessoas também escolhe eventos”. Helena, presidente da Associação Empresarial de Paredes de Coura, afirma que se verificam preferências. “As regiões mais pequenas são as que mais sofrem”. É notório para a empresária que existem muitos “fechar de olhos” nas grandes comunidades e em contrapartida muitas restrições nos meios mais pequenos. O que evidencia o distanciamento entre o citadino e o aldeão, para não falar nos estereótipos criados em prol desse afastamento. No entanto, declara que apesar de já fazer falta uma Romaria, considera complicado criar as condições necessárias para que não se coloque em risco a saúde pública. Pelo facto de se realizar num espaço aberto e tornar “demasiado oneroso um sistema de segurança que proteja os fregueses”. Para não retirar toda a diversão dos courenses, a presidente comenta que, mesmo não se podendo realizar estas festividades, a associação empresarial, com o apoio imprescindível do município, irá fazer os possíveis para criar uma nova dinâmica na vila de Paredes de Coura, com o intuito de ajudar a população, mas sobretudo os comerciantes.
“É necessário voltar a trazer vida às nossas freguesias”, diz António que fez parte de uma comissão de festas, responsável pela concretização de uma destas romarias. A falta que elas nos fazem é algo “bastante transparente”, “é um escape pelo qual muitos Courenses esperam”. E, consequentemente, para além de divertirem a população, evidenciam a gastronomia da freguesia. Dando a ganhar, um bocadinho mais, aos restaurantes e cafés da zona, que inevitavelmente sentem mais afluência durante esses dias. No entanto, António faz um apontamento curioso quando diz que “São os jovens que mais falta sentem destes convívios”.
Estes convívios para além de serem uma ajuda à freguesia e a alguns comerciantes locais, também proporcionam memórias marcantes. Depois de falar com alguns jovens, dou ênfase a momentos que lhes ficaram gravados. Francisco recorda-se da vez em que tentou imitar o passo característico de uma figura típica da freguesia, e ao saltar deu com a cara no chão. Mas também a Joana conta que numa destas romarias conseguiu, em conjunto com uma amiga, subir ao palco, cantar e dançar com os Kalhambeke. Já a Mariana afirma ter sido obrigada a ir disfarçada de Senhora das Dores numa procissão, algo que hoje relembra com carinho, mas que na altura a incomodou. No entanto, riu ao lembrar-se de quando um conhecido seu interrompeu um concerto, subiu ao palco e começou a cantar. Completa este episódio dizendo que “foi um filme para o tirarem de lá”. Já eu me recordo de sempre ter tido um certo fascínio pelas bailarinas que normalmente acompanham as bandas. Como tal, eu e a minha prima, quando éramos mais novas, acabávamos por imitá-las e idealizar-nos no lugar delas. No entanto, a memória que tenho mais presente é a de assistir a jovens da minha idade a cantarem ao desafio, algo que acabava sempre em risos genuínos. E é ao refletir sobre esta questão, que me apercebo do facto das tradições culturais, apesar de adaptadas, se manterem vivas, sem que sejam forçadas a tal, e da falta que estes eventos fazem para as comunidades mais pequenas.
E assim descobri que, no que depender dos Courenses, estas festas não vão desaparecer pois apesar de não estarem a acontecer, o espírito e vontade de as ver retomadas permanece dentro de cada um de nós. Os Arraiais estão na saudade das nossas memórias, mas voltarão em breve.