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Carta de Natal

15 de Dezembro de 2020 | Helena Ramos Fernandes
Carta de Natal
Opinião

Excelentíssimo Pai Natal,

Este ano, por obra de uma pandemia, tive poucas oportunidades para me comportar mal. Poderia afirmar que no geral, e talvez como a maioria dos portugueses o meu comportamento foi controlado e obedeci as regras que me foram recomendadas.

Passei a maior parte deste ano a proteger-me, a proteger os meus, e a proteger os outros. Será que isto faz de mim uma heroína, da vida real ou da banda desenhada? Heroína de uma história que que eu gostaria que não fosse real. Talvez sejamos heróis, caros leitores. Heróis porque este ano, todos juntos, lutamos contra um mal invisível e persistente.

Voltando à minha carta de Natal, eu decidi colocar no papel os meus desejos para este ano e apresentar-vos a minha lista de Natal.

Em primeiro lugar eu vou pedir aquilo que quase toda a humanidade deseja neste momento, uma vacina contra a Covid-19 para todos. E sabendo que esta já vem a caminho, pedia que ela fosse válida e eficaz e que estivesse ao alcance e disponível para todos. Eis o meu primeiro pedido. Ou será este um direito que nos assiste, caros leitores?

Será que proceder à vacinação parcial da população não poderá algum dia, num livro de história, ser apontado como um possível atendado aos direitos humanos? Afinal, não devem os nossos governantes promover a protecção de todos nós e de forma igualitária? Não é para isso que contribuímos com parte do rendimento mensal e que por vezes tanta falta nos faz.?

Faço agora uma analogia desta situação com certos filmes de ficção em que a humanidade está em risco e só algumas pessoas são escolhidas para serem “salvas”. Uma comparação um pouco exagerada, no entanto, sinto que existem demasiados facilitismos quando se tomam decisões de grande importância para a humanidade. Principalmente quando se trata de proteger as pessoas. Escolhas!

No meio deste impasse surge-me uma questão. Uma questão que talvez seja apontada como não apropriada por alguns. Poderão os que não forem vacinados, na primeira, na segunda e noutras fases do processo de vacinação, serem compensados de alguma forma? Como por exemplo, estes serem isentados de alguma contribuição que a curto prazo só serviria para proteger outros que não eles ou os deles. Uma daquelas que supostamente é paga para ter direito a saúde. Ironia!

É bem possível que a Constituição da República Portuguesa tenha algo a dizer sobre isso. Teremos nós que aceitar que os nossos filhos ou os nossos pais, por não se encontrarem nas prioridades do Estado, não sejam vacinados já? Eles podem não ser prioridades para o Estado, mas serão sempre a nossa máxima prioridade. A Constituição é clara quando refere no ponto um do artigo número 64 que todos têm direito à protecção da saúde. E não só alguns! Todos têm direito a ela!

Nada mais me ocorre acrescentar a isto, caro leitor. Apenas referir que eu entendo o plano de vacinação apresentado e o porquê da sua escolha. No entanto eu tenho o direito de não o aceitar e de não concordar com ele. E mesmo que esta minha opinião seja impertinente para muitos, isto não me impede de a expor desta forma. Eu tenho esse direito. Sobretudo porque vivemos em democracia, mas não só. Estarei eu errada, caro leitor?

São muitos outros os desejos que gostaria de ver realizados neste Natal. Talvez idênticos aos de muitos portugueses. Muita saúde, muito amor, e trabalho para todos. Mesmo que este último implique contribuir para um sistema que por vezes nos coloca no fim da fila. Muitos políticos diriam agora “pelo menos encontras-te numa fila”. Neste caso a minha resposta seria: “estarão vocês ao meu lado nessa fila? Ou no fim da fila, como um bom capitão deve proceder quando o navio está com problemas? É bem provável que estejam no início dessa fila. Prioridades!

Para finalizar e em jeito de homenagem a Francisco Sá Carneiro, pelos 40 anos da sua morte, deixo aqui duas frases dele que me parecem tão oportunas neste contexto, ”…ao cidadão, o Estado deve dar mais em troca do que lhe pede ou pedir menos do que aquilo que está em condições de reciprocamente lhe dar…”. Nesta primeira frase, diria que em poucas palavras fica tudo dito. E, “…o bom Governo é aquele que olha para as realidades e traduz a sua acção no benefício concreto das pessoas e não no benefício das ideologias…”. Eu concordo plenamente com esta afirmação. E você, caro leitor, será que também concorda?

Na medida do possível, desejo a todos os meus leitores um bom Natal e próspero Ano Novo.

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