Última Hora

CORRENTES DE AR

19 de Novembro de 2019 | Helena Ramos Fernandes
CORRENTES DE AR
Geral

É verdade que a felicidade não se vende nem se compra. É um sentimento ou um estado de espírito ou outra coisa qualquer que não depende de nenhum controlo, muito menos remoto. É algo que vem do interior de cada um de nós. Caro leitor, este sentimento vem de dentro, e não de fora! Como bem diz o Monge Tibetano Dalai Lama, “A felicidade é um estado de espírito. Se a sua mente ainda estiver num estado de confusão e agitação, os bens materiais não lhe vão proporcionar felicidade. Felicidade significa paz de espírito”.

Por vezes a nossa mente tenta travar este sentimento ou estado de espírito, apesar do bem que ele nos faz. Por vários motivos. Uns mais e outros menos legítimos. Por vezes, porque nos sentimos impotentes perante injustiças. E isso compromete a nossa paz de espírito. Outras vezes, porque sofremos por males maiores ou menores, confundindo o nosso estado geral. Ou porque ficamos irritados com o destino que enfrentamos e que nem sempre culmina em sucesso. Agitando a nossa mente de forma agressiva.

Mas essa tensão pode ser também provocado por um motivo recorrente e genuíno, a desilusão. A desilusão perante a falsa verdade. Porque consideramos verdadeiros factos por longos tempos, quando na realidade eles são falsos. Não é nada agradável quando corremos a cortina com a certeza de ver um céu azul, e afinal ele está cinzento.

A nossa felicidade não deve depender somente do sistema que nos rodeia. Deve considerá-lo, mas focar-se no que realmente importa. A família, os amigos (aqueles amigos) e o nosso bem-estar e dos que nos querem bem, podendo incluir-se os que não nos querem mal. Tudo o resto não passam de correntes de ar.

Correntes de ar que passam por nós. Por vezes constipamo-nos, porque nos apanham desprevenidos. Outras vezes nem damos por elas, porque simplesmente elas não importam.

Numa dessas noites de Novembro, senti uma dessas correntes de ar a passar-me pelas costas. No entanto estava protegida. Aconchegada por uma manta. Uma manta tecida pelas linhas de quem me faz bem. Estava a jantar em família. Um dos melhores momentos do dia, para mim e, com certeza, para a maioria dos leitores que perdem uns minutos para me lerem.

Voltando às correntes de ar. Alguns jantares em família são acompanhados pelas notícias e acontecimentos relatados nos programas informativos que estão “no ar” naqueles momentos. Esporadicamente prestamos atenção, mas a maioria das vezes a convivência dissipa o ruido televisivo.

Num dos momentos de atenção, ouvi meia dúzia de frases proferidas pelo apresentador do recente programa “Polígrafo SIC”. O tema relatado era sobre as subvenções vitalícias dos políticos. Aquelas figuras de relevo nacional. Gente importante! Pessoas dedicadas a defender o que é de todos. Pessoas que abdicam do seu enriquecimento pessoal para se dedicarem a gerir o destino de todos nós. É  por isso e por outras, que estes ganham o direito de estarem protegidos por medidas desse gênero. Por minutos o meu estado de espírito agitou-se. O meu desassossego momentâneo aconteceu quando percebi que o cidadão ex-político, ex-recluso, ex-culpado, ou pressuposto inocente apesar das evidências que o rodeiam, recebe, e porque segundo ele “se viu obrigado a isso”, a subvenção vitalícia a que tem direito.

Tem direito sim, caro leitor! Ora vejamos, este senhor foi um Primeiro-ministro de Portugal. Ele merece essa subvenção. Certo? O mesmo entregou-se de corpo inteiro para defender o que é de todos. E nós fomos todos testemunhas disso! Ou estarei eu a confundir os factos?

Esta ilustre figura merece esse apoio porque não teve a oportunidade, que também não nos deixam ter, de criar riqueza. Tem então direito a esse valor (in)significante. Será esse valor próximo do RSI? O valor que tabela os direitos dos que trabalham quase todos os dias, oito horas ou mais, para contribuir para essa (in)justiça. E, para uma grande maioria, sem nunca chegarem a criar riqueza. Não, caro leitor, os valores dessas subvenções estão longe do RSI, estas situam-se entre os 880 euros e os 13.600 euros mensais. Pensando bem, acho que vou voltar a ser política! Ou talvez não!

E esta foi a corrente de ar que passou pelo meu cérebro, nos minutos que eu dediquei para ouvir as palavras do apresentador televisivo. No entanto não passou disso, uma corrente de ar. E o meu jantar em família continuou e dissipou estes meus maus pensamentos. A minha felicidade não foi abalada. Talvez porque como bem proferiu o Monge Dalai Lama, os bens materiais não proporcionam felicidade.

No entanto, caro leitor, cidadão e trabalhador de Portugal. Há que trabalhar! E muito!

Há que criar riqueza para os cofres nacionais. Os nossos ilustres ex-políticos desamparados precisam de nós. Em Setembro passado, segundo “O Público” eram 318 ex-políticos, entre antigos Primeiros-ministros, ex-deputados, líderes partidários, autarcas e juízes do Tribunal Constitucional a receberem subvenções vitalícias. Este número nem é assim tão grande, o problema mesmo está nos valores das subvenções, ou de algumas delas.

Para dissipar a corrente de ar que eu provoquei em vossas mentes, volto a repetir que os bens materiais não proporcionam felicidade. Por isso, sejamos felizes com o que temos!

 

Comments are closed.