FERNANDINHA, UMA MULHER DE ARMAS
Continuando na divulgação de courenses com história, numa lista infindável de figuras queridas e estimadas do nosso meio, esta edição levou-nos até à sede do concelho, ao encontro de uma mulher de armas.
Fernanda Adelaide Barbosa da Rocha Fernandes, com 79 anos de idade, casada e mãe de Sandra Fernandes Morais, distinta e assídua colaboradora do Notícias de Coura, é o alvo da nossa reportagem neste número.
Senhora sobejamente conhecida na urbe courense, todos nós associamos a dona Fernanda aos serviços de saúde, em concreto ao sector de enfermagem. Mas não se esgota na actividade profissional o desempenho desta mulher de luta. Vamos então ficar a conhecer um pouco melhor o percurso de vida desta grande courense.
Nascida na freguesia de Parada, depois de concluída a instrução primária na escola da aldeia, ingressou na Escola de Enfermagem na Fundação Calouste Gulbenkian, na cidade de Braga. “Só consegui ir tirar o curso aos 20 anos, porque, com o meu pai no Brasil, o meu tio materno é que influenciava, e muito, a minha mãe, e este não via com bons olhos o facto de eu querer ir para enfermeira”, observa a Fernanda Fernandes, com um sorriso de saudade estampado no rosto, adiantando que ser enfermeira era a grande paixão da vida.
Em 1968 concluiu então o curso de enfermagem. Pronta para o mundo do trabalho, iniciou a carreia profissional no extinto Hospital Psiquiátrico, em Mozelos. Entretanto, em 1970 casou com Manuel Albino de Sá Fernandes, militar de profissão, na classe de sargentos. Corria o ano de 1971 quando o marido foi destacado para as antigas colónias portuguesas no Ultramar. Angola foi então o ponto de aterragem, fazendo questão de acompanhar o marido nesta aventura africana. Foi em Angola que deu continuidade à carreira profissional e foi em Angola que nasceu a filha do casal, em 1972.
Depois de três anos em terras angolanas, a missão militar do marido terminou e regressaram então ao Porto, fixando residência em Ermesinde. Entretanto, nova missão militar surge para o marido. Desta vez Moçambique é o porto de abrigo. Com a filha ainda pequena, não se aventurou em acompanhá-lo, regressando então às origens. De regresso a casa, estava então desempregada. Dirigiu-se aos Serviços de Saúde de Viana do Castelo na procura de emprego. Depois de um estágio de três semanas na capital do distrito, foi colocada no Centro de Saúde de Paredes de Coura. Recorda, com enorme simbolismo, que durante o estágio deu-se a revolução de Abril. “Foi um dia em que tudo estava diferente e com poucas pessoas na rua e com músicas esquisitas na rádio”, recorda. Tinha então o marido em Santa Margarida e ficou, desde logo, preocupada com todo o desenrolar deste movimento militar. Só ao final do dia é que conseguiu obter informações, embora não tenha conseguido falar com ele.
No Centro de Saúde de Paredes de Coura foi coordenadora do internamento e urgências, durante dois anos. Entretanto, teve ainda uma passagem pelo Centro de Saúde de Vila Nova de Cerveira, durante uma semana, e pelo Centro de Saúde de São Julião de Freixo, aqui para acompanhar de perto a filha, a frequentar o ensino secundário na cidade de Braga.
Tendo sido promovida a enfermeira graduada, regressou novamente a Paredes de Coura, onde foi enfermeira de créditos firmados no nosso Centro de Saúde. Foi ainda, durante vários anos, coordenadora do Internamento na Santa Casa da Misericórdia. Aposentada há 19 anos, diz, com orgulho, ter desenvolvido a actividade profissional que foi sempre a grande paixão da vida, a par da família. “Sinto-me realizada por ter feito aquilo que sempre ambicionei”, memoriza.
Para lá da vida profissional e familiar, Fernanda foi ainda uma grande activista política da nossa praça. Em 1976 passou a integrar a comissão política do Partido Socialista de Paredes de Coura. “Era a única mulher, no meio de tantos homens”, graceja.
Recordou-nos a forma como a comissão política de então, a qual integrava, conseguiu convencer José de Sousa Guerreiro a encabeçar a lista à Câmara Municipal, depois de ter conquistado a autarquia pelo PSD. “Não foi fácil, e depois de duas negas, só à terceira tentativa é que conseguimos convencer o sr. Guerreiro. Em boa hora o fizemos”, afiança.
Em 1983 integra então a lista de candidatos proposta pelo Partido Socialista à Câmara Municipal, encabeçada, desde logo, pelo presidente em exercício, José Sousa Guerreiro, José Chouzal Nogueira, Mário Montenegro, Nelson Cunha Lima, Fernanda Adelaide Fernandes, Manuel Humberto Gonçalves Pereira e Maria do Carmo Pereira Cerqueira. Sem a existência da lei da paridade na época, dona Fernanda foi, juntamente com a dona Micá, as primeiras mulheres a integrarem listas concorrentes ao município courense.
“Gostei muito da experiência e adorava participar nas sessões da Assembleia Municipal, onde havia muito debate de ideias. Tendo amigos em todos os quadrantes políticos, nunca neguei as minhas convicções socialistas e procurei sempre dar o melhor de mim, com o apoio incondicional do marido”, termina a nosso courense com história desta quinzena.