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COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA

11 de Janeiro de 2022 | Albano Sousa
COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA
Destaque

Tomás Pereira, o Senhor da Gaita de Foles

No primeiro encontro de courenses com história no ano de 2022, viajámos até Resende, num percurso rápido e acessível, ao encontro de um homem com muitas histórias de vida e figura muito conhecido na urbe courense, mais que não seja através da famosa gaita de foles.

Tomás José Pereira abriu-nos a porta de casa para, na simplicidade que o caracteriza, nos narrar os tópicos mais importantes de uma caminhada de 87 primaveras, com uma capacidade de fazer furor nas gerações mais novas.

Casado, pais de 2 filhos, com uma prole familiar com netos e bisnetos, foi-nos dizendo que após a obtenção da 3ª classe do ensino primário, onde aprendeu o inesquecível a-e-i-o-u num posto de ensino a funcionar em Resende, freguesia onde nasceu, iniciou, aos 14 anos, a arte de sapateiro. “Tive como mestres o saudoso Armando Sapateiro e o Luciano, genro deste. Foi com ele que mais aprendi, fazendo meias solas, sapatos para homem e senhora”, acrescenta.

Após o casamento, corria o ano de 1954, decidiu rumar a Lisboa, em busca de uma vida melhor. Na terra ficou a esposa e o primeiro filho. Sem nada organizado, mala de cartão na mão, chega à capital, onde se foi encontrar com o Serafim, um conterrâneo da freguesia de Bico, proprietário de uma sapataria na capital, com dois empregados, um alentejano e outro algarvio. “Foi o Serafim que me arranjou trabalho para os primeiros 2 dias. Fiz 6 pares de meias solas nesse período e cada par ficava em 17$50”, afirma Tomás Pereira.

Sem trabalho para o tempo todo nessa sapataria, pediu ajuda ao Serafim para conseguir trabalho. Rumou então até Queluz, onde permaneceu 8 dias.

Entretanto, o referido Serafim decidiu emigrar para o Brasil e “propôs-me a compra do negócio, só que pretendia pelo mesmo 20 contos, dinheiro que eu não tinha”, afiança. “Com o desenrolar dos acontecimentos e com a hora da partida do homem de Bico para terras de Santa Cruz, lá fizemos o negócio, mas nunca pelos 20 contos. Fui falar com o senhorio do imóvel, para transferir o contrato de arrendamento, e este, aceitando a mudança, aumentou desde logo o preço da renda, o Serafim pagava 100$00 mensais, eu passei a pagar 150$00, mas com autorização para instalar a luz eléctrica, coisa que até aqui não existia”, afirma.

Estabelecido por conta própria, conheceu um casal de quem se tornou amigo. Passados tempos, esse amigo, de nome Arménio Fausto, decidiu emigrar para terras holandesas. Mais tarde, numas férias em Portugal, esse amigo fez-se acompanhar por um holandês. Chegado a Lisboa, o homem descontrolou-se nos gastos e deu por si sem dinheiro, socorrendo-se então do Tomás através do amigo Fausto. “Emprestei-lhe 32$50”, diz. “Foi através desse holandês, de nome Jonh, que rumei até à Holanda, à procura de novas aventuras. Para trás ficaram Lisboa e a sapataria”.

Chegado aos Países Baixos, o maior entrave, desde logo, foi a língua. A propósito, contou uma realidade sentida no primeiro emprego, num hotel de luxo de Amesterdão. Segundo Tomás Pereira, a patroa, uma senhora de idade avançada, dirigiu-se a ele na língua holandesa com gestos no sentido das cadeiras. Ele, sem perceber o que lhe era dito, entendeu que os gestos direccionados às cadeiras seriam para se sentar, e foi isso que fez, sentou-se. De imediato, a patroa agarrou-o por um braço, pegou numa cadeira e foi arrumá-la. Foi então que entendeu que a tarefa era arrumar as cadeiras do hotel num determinado local.

Nesse hotel trabalhou durante 6 anos e meio, antes de se transferir para uma fábrica de metal. Mais tarde conseguiu colocação na KLM, a maior empresa de aviação da Holanda. Por aí permaneceu, até regressar a Portugal em 1987. Foi na Holanda que se dedicou a fazer pequenas artes em madeira, como teares, veleiros, carros de bois e outros utensílios. “Afinal sempre gostei de trabalhar na madeira e o meu sonho, enquanto criança, era ser carpinteiro, coisa que nunca aconteceu, acabando mesmo por ser sapateiro”, afirma com um sorriso de nostalgia nos olhos. “Adorava estar na Holanda e gostava imenso do trabalho que fazia, mas os problemas de saúde da minha esposa falaram mais alto e optei por regressar à terra de Camões”, acrescenta. Mem Martins, onde era proprietário de uma habitação, foi o local escolhido para viver na hora do regresso. Por aí permaneceu durante 8 anos, antes de rumar à terra natal, Resende.

Neste período de permanência na capital, colaborou na criação da Casa Courense e participou nas primeiras actividades desta casa regional, com destaque para os saudosos piqueniques no Monsanto.

Neste percurso de vida, surge ainda a gaita de foles como uma grande paixão e onde se tornou mestre. A propósito, Tomás Pereira, adiantou à nossa reportagem que o gosto pela gaita de foles surge na altura em que uma charanga da freguesia de Bela, Monção, veio actuar às festividades da senhora da Piedade, em Resende. “Na altura era miúdo mas fiquei, desde logo, encantado com as melodias da gaita”. Recorda que no grupo havia em homem oriundo de Resende e, através dele, conseguiu adquirir a gaita de foles do grupo, que, entretanto, terminou. “Custou-me, na altura, trezentos escudos, muito dinheiro”, afiança, exibindo ainda hoje esse instrumento, em muito bom estado de conservação, juntamente com mais 2 que adquiriu posteriormente.

Ao longo da vida tocou em diversas charangas e ganhou muito dinheiro, recordando, com saudade, os ensaios em que participou, na antiga casa do padre Alfredo, no Lugar das Chãos, freguesia de Castanheira, com as aulas ministradas pelo saudoso maestro Américo Cunha. Recebeu ainda algumas lições de um músico vizinho, da freguesia de Resende, o também saudoso Marcílio. Diz adorar a música e só tem pena não ter ido mais além na área musical, ficando-se por uma exímio tocador da gaita de foles, sendo considerado pela crítica um mestre no manejo.

Hoje, a desfrutar dos momentos lúdicos da vida, divide o tempo entre a terra natal e a Holanda, onde se desloca amiúde, para junto da prole familiar, toda ela fixada nos Países Baixos, repartindo o tempo entre estes dois países.

Resumidamente fica a história de vida de um homem que, sendo excelente tocador de gaita de foles, sonhou um dia ser carpinteiro acabando por ser sapateiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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