CAFÉ DO PI E JOSÉ VAZ, O ONTEM E O HOJE DA VILA
Nesta edição vem à estampa mais uma figura com história, sobejamente conhecida pela urbe courense. Continuando na sede do concelho fomos ao encontro de um rosto sobejamente conhecido no ramo da cafetaria.
Nascido na freguesia de Linhares, José Joaquim Gama Vaz, casado, 60 anos de idade, pai de 2 filhos, leva 43 anos atrás atrás do balcão, sendo mesmo um dos mais carismáticos comerciantes da nossa praça.
Concluida a instrução primária na escola da freguesia natal, cedo começou no mundo do trabalho, depois de obtido o diploma da 4ª classe. Até aos 17 anos foi uma ajuda preciosa para os pais, nas árduas tarefas agrícolas. “Convivi muitas vezes de perto com o lobo, na guarda das vacas pelos montes da freguesia”, afirma.
Depois desta fase inicial, eis que, aos 17 anos, surge uma curta aventura pela capital. Em Lisboa deu o pontapé de saída para uma carreira profissional longa, primeiro como empregado e, nos últimos anos, como patrão. Após um ano na capital, rumou até Porto Alto, localidade ribatejana perto de Samora Correia e de Vila Franca de Xira, onde permaneceu mais um ano, antes de regressar às origens. Foi em Porto Alto que aprendeu, segundo nos conficidenciou, a trabalhar com os talheres.
O regresso a Paredes de Coura trouxe-o até ao emblemático Café Courense, onde foi empregado ao serviço de 3 patrões, primeiro o José Castro, depois o José Brandão e por último, e mais tempo, o saudoso Belarmino Silva.
Recorda que se iniciou no Café Courense num sábado de Feira, numa época em que a Feira trazia à vila uma mar de gente e que durava o dia todo. “Mais parecia uma festa”, enfantiza. Para se ter uma ideia, foi-nos dizendo que antes da abertura do café, manhã bem cedo, tinham já preparados 100 pães com manteiga e ligadas as máquinas do café e do leite para, depois da abertura, ser um rotação constante de trabalho. Nesse primeiro dia pensou em desistir. “A determinado momento chegavam os contratadores de gado, porque a feira do gado era ali ao lado, e com as varas afiadas com ferrões, picavam-me as pernas para eu os despachar. Por momentos fiquei muito assustado, mas lá me fui aguentando”, afirma o Zé do Café, como carinhosamente é conhecido.
Diz sentir saudades do antigo Café Courense, uma casa que trabalhava muito, e bem, e que servia de ponto de encontro de todos os courenses, desde as primeiras horas do dia até madrugada dentro. Era também por ali que se reunia a classe politica local e onde eram festejadas as vitórias autárquicas de José Sousa Guerreiro e depois de António Pereira Júnior.
Entretanto, em 2005, surge a oportunidade de assumir a gerência do Café Lusitano, hoje conhecido pelo Café do Pi, nome que advém do antigo e principal timoneiro, o saudoso “António do Pi”, conhecido carcereiro da nossa comarca. Era também conhecido pelo Café do Meio, quiçá por se encontrar entre os vizinhos Café Central, também alcunhado por Café de Cima, e Pensão Miquelina. Imediatamente antes de Zé Vaz ir para a gerência deste café, o seu timoneiro era o já saudoso Emanuel Silva. “A oportunidade surgiu e não a rejeitei”. Avança ainda que “na altura o recheio do estabelecimento custou 3.000,00 euros, dinheiro que consegui liquidar após um Verão de sucesso”.
Daí para cá são já 18 anos na gerência da casa, procurando sempre estimar uma clientela fiel e amiga, acrescentado que os dias de hoje nada tem a haver com os tempos de outrora. “Hoje o negócio é uma miragem relativamente a tempo idos, com muito menos gente por terras de Coura, agravados por uma pandemia que isolou ainda mais as poucas pessoas que circulam pela vila”. Reconhece ainda que, não fora o balão de oxigénio trazido pelo periodo de Verão, com saliência para o mês de Agosto, onde as Festas do Concelho e sobretudo, o Festival, servem de forte alavanca para o resto do ano, seria deveras complicado manter aberto um estabelecimento do género na nossa vila.
Ao longo de mais de quatro décadas no sector, são muitas as histórias vividas neste percurso, destacando porém, as muitas situações de conflito e agressões físicas, vivenciadas entre clientes, em concreto no período em que trabalhou do Café Courense. “Hoje em dia tudo é diferente, as pessoas são mais respeitadoras e compreensivas. Antigamente ao mais pequeno desacordo partia-se logo para vias de facto. Foram muitas as vezes em que os clientes, na maioria das vezes, por efeitos de álcool em excesso, terminavam todos na rua à porrada, deixando o café às moscas”, diz o Zé.
Outras história hilariantes tem a haver com o facto de um cliente habitual perfurar o jornal diário do café com o cigarro, fazendo pequenos buracos, situação algo estranha mas que, segundo afirma, tinha um propósito, não para ler o jornal mas para poder apreciar as pernas das clientes que frequentavam o espaço.
Nos tempos que correm tudo é diferente. O Café de Cima, como muitos o definem, viveu tempos áureos, vindo à memória a vasta clientela que, diariamente, em horário pós laboral, reunia por ali os amantes dos jogos de cartas, como a bisca e a sueca. Eram tempos de muito e bom negócio, com trânsito na rua principal e com o embarque dos autocarros da Empresa de Transportes Courense ali mesmo ao lado, trazendo mais gente ao café, a partir, desde logo, dos funcionários, cobradores e motoristas.
Outro quadro muito associado ao Café Lusitano era o consultório que o saudoso Dr. Moreira tinha numa das mesas do café, onde, diariamente e a toda a hora, atendia, sem rodeios e enfeites, os seus consuluentes. O Dr. José Gomes Moreira, apelidado por muitos, como o advogado do povo, foi o advogado mais generoso e mais pobre que Coura conheceu, atenta a clientela que era, em geral, a mais humilde e a mais modesta, a gente das aldeias e da terra, de muito parcos recursos. Falar do Café Lusitano é avivar a memória deste ilustre e distinto causidiaco.
Com esta longa carreira na área comercial da cafetaria, o Zé do Café, como Coura carinhosamente o apelida, vai levando o barco a bom porto, sempre com os pés assentes na terra, não regateando esforços na hora de arregaçar as mangas, tanto no serviço de mesas, passando pelo balcão e terminando na cozinha, primando sempre pelo respeito e estima de todos os clientes. “Os clientes são a essência da nossa sobrevivência”, termina a nossa figura com história desta edição.