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COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA

7 de Junho de 2022 | Gorete Rodrigues
COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA
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SACRISTÃO MANUEL PINTO, QUASE MEIO SÉCULO DE DEDICAÇÃO

De volta à freguesia de Cunha, viajámos até ao Lugar da Calçada, ao encontro de mais um courense com história.

Manuel Brandão Pinto, casado, 81 anos de idade, pai de 5 filhos, abriu  a porta ao Notícias de Coura para, numa amena cavaqueira, narrar histórias de uma vida preenchida entre Portugal, Angola e França.

Oriundo de uma família numerosa, era o terceiro numa hierarquia de 9 irmãos. Em tempos difíceis, com famílias enormes, os filhos eram necessários na ajuda dos trabalhos agrícolas, colocando em plano secundário a frequência da escola primária. Aprender a ler e escrever não era prioritário. Prioritário era ter pão na mesa na hora das refeições, como tal, apesar de chegar a frequentar, por pouco tempo, a escola primária, tinha como tarefa principal levar o gado para o monte. Ler e escrever foi coisa que só aprendeu aquando do serviço militar obrigatório.

Serviço militar que chegou em 1962, por um período de 2 anos. Angola e a guerra colonial foi o destino. Os primeiros 13 meses foram muito duros, afirma Brandão Pinto, que diz ter sido vítima de muitas emboscadas e que sentiu muitos petardos a passarem próximo. O medo era imagem de marca a toda a hora. Ao final dos 13 meses e porque era mestre na arte da carpintaria, deixou o mato e foi mobilizado para o quartel, como carpinteiro. A partir daqui deixou de usar a farda e o dia-a-dia era muito mais tranquilo, chegando e deslocar-se desde o norte de Angola até Luanda para buscar ferramentas, numa viagem longa e morosa, tendo sempre em consideração a dimensão daquele país africano que é catorze vezes maior que Portugal.

Cumprido o serviço militar, com muitas histórias e peripécias pelo meio, regressou às origens em 1965. Nesse mesmo ano casou e começou a constituir família, exercendo a profissão de carpinteiro, arte que aprendeu com o irmão, o saudoso José Brandão Pinto, até que, em 1972 optou por emigrar para França. Por ali permaneceu 3 anos, tendo efectuado, nesse espaço de tempo, 9 viagens à terra natal. As saudades da família eram imensas e o retorno a Cunha foi uma realidade.

Por cá continuou a exercer a profissão de carpinteiro e, mais tarde, também como trolha, efectuando imensas obras em parceria com o irmão. Com uma vida preenchida, o Manuel Pinto foi ainda sacristão na paróquia de Santa Maria de Cunha ao longo de mais de 40 anos, no auxilio de diversos sacerdotes.

Foi com o objectivo de sabermos um pouco mais desta actividade, que viajámos até Cunha. À nossa reportagem contou-nos que tudo começou no tempo da saudoso padre Bruno. Como não havia ninguém disponível a colaborar com o sacerdote, e como ele morava perto da igreja, foi convidado a auxiliar nos actos religiosos, num tempo em que ajudar à missa era deveras complicado, porque as celebrações eram em latim e nem toda a gente era habilitada, até porque era necessário trocar os missais durante as celebrações.

A propósito do padre Bruno, recorda que este ia a pé celebrar deste Penim, onde morava, até à igreja paroquial e levava sempre com ele um termos com café. Depois, chegado à igreja, dava vinte e cinco tostões ao sacristão, para este ir comprar umas bolachas na mercearia da aldeia, para comer junto com o café. O troco das bolachas era a gratificação que concedia ao Manuel.

Para lá do padre Bruno, foi ainda sacristão de outros sacerdotes, desde logo o padre José Maria, padre João Viana, padre Maurício e o saudoso padre Manuel Lemos, que auxiliou durante 21 anos.

Ser sacristão é uma tarefa que exige muito zelo e dedicação, tais como abrir e fechar as portas do templo para as celebrações, tocar os sinos para as diversas cerimónias, preparar todos os utensílios necessários, entre outras tarefas. Para lá das celebrações das missas, quer durante a semana quer ao fim-de-semana, o sacristão auxilia ainda o sacerdote nos baptizados, casamentos, funerais, procissões e outras actividades religiosas, como a visita pascal, que no caso da freguesia de Cunha dura 2 dias, sendo um dia para a meia de baixo, e outro dia para meia de cima.

A propósito da Páscoa, contou-nos um dos episódios mais marcantes enquanto sacristão e que ocorreu num dia de visita pascal. Como é habitual, ao percorrer as diversas casas da paróquia, as pessoas oferecem sempre uma bebida e uns doces, com predominância para o famoso vinho do Porto, o que provoca nos elementos que compõem o compasso alguma aceleração de processos. Chegada a hora do almoço, a comitiva dirigiu-se, como sempre, a um restaurante próximo da localidade para a refeição do meio-dia. Vai daí, um dos elementos grupo, curiosamente o transportador da cruz, após a refeição e com a junção das bebidas durante a manhã ficou algo ébrio. O padre Lemos ao verificar a situação dirigiu-se ao sacristão argumentando que não iam ter homem para acabar o percurso da tarde. “Não se preocupe, senhor padre, eu executo as duas tarefas, transporto e cruz e levo a pasta”, argumentou. E assim foi e o compasso decorreu com normalidade.

De resto, não viveu momentos complicados na tarefa de sacristão e, durante as celebrações da missa em dias de semana, abria as portas do templo e depois pedia ajuda a alguém com disponibilidade para ajudar o sacerdote, isto porque as missas coincidiam com o horário laboral. Ao fim-de-semana chamava a si a tarefa, que começava com o toque dos sinos, sempre uma hora e meia-hora antes da cada celebração. Com o avançar da idade e com as forças a fraquejarem, acabou por abdicar de um serviço que prestou com raro denodo à paróquia e onde procurou sempre dar o melhor.

Muitas mais histórias existiam para narrar, mas fica a essência de uma actividade importante ao serviço da igreja. Felizmente, nos dias de hoje ainda vão existindo pessoas com disponibilidade, mas antevê-se um futuro de grande dificuldade em angariar pessoas nas paróquias dispostas a servir a igreja com zelo e dedicação.

Foi um prazer esta viagem até Cunha, ao encontro do Manuel Pinto, para dois dedos de conversa com um homem detentor de muitas histórias para contar e onde a guerra colonial foi imagem de marca que lhe marcou a vida, uma guerra que marcou gerações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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