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COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA

22 de Novembro de 2022 | Albano Sousa
COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA
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VÍTOR ROTIV, UMA VIDA ENTRE ANGOLA E A FOTOGRAFIA

Retomando a divulgação de courenses com história, nesta edição, fomos ao encontro da Fotografia. Falar de Fotografia é falar de Vítor Araújo Cunha, o Rotiv.

Oriundo da freguesia de Bico e com fortes ligações familiares a Castanheira, casado, 76 anos de idade, 4 filhos, o Vítor Rotiv, como carinhosamente é apelidado pela população courense, recebeu-nos para uma afável conversa onde, em traços muito gerais, nos deu a conhecer um pouco da história de uma vida deveras preenchida, cujo conteúdo daria origem a um livro de grande porte, com um infindável número de capítulos.

Resumidamente, o Vítor Cunha cedo rumou a Angola. Depois de obtido o diploma da 4ª classe, e sem grandes esperanças de uma vida com futuro, eis que, aos 16 anos, tomou a iniciativa de ir ao encontro do pai, pessoa que não conhecia. Comprada a mala de viagem, na saudosa Loja Nova, o dia 2 de Agosto de 1962 foi a data escolhida para iniciar esta aventura. Partiu então de comboio desde Valença até ao Porto. No dia seguinte embarcou no porto de Leixões e viajou até Lisboa. Estava dado início a uma longa viagem de barco, com partida de Lisboa, no dia 5 de Agosto. Destino, porto de Luanda, numa viagem que custou 3 contos de reis. Muito dinheiro na época.

Na mala, levava consigo a importância de 300 escudos, para despesas pessoais. Durante os longos dias de viagem, a mala foi assaltada e ficou sem o dinheiro que levava. Ao chegar ao porto Luanda, foi informado que o pai estava longe e teria necessidade de passar por mais 2 portos de mar. Sem dinheiro para prosseguir viagem, falou com o comandante do navio e foi por este autorizado a prosseguir viagem. Finalmente conseguiu chegar ao encontro do pai, homem que se dedicava à agricultura.

Nos primeiros tempos ficou a trabalhar e a viver com progenitor. As condições de vida estavam longe de ser razoáveis. Passado algum tempo, consegue o primeiro trabalho, como lenhador. Ganhava então 500 escudos. A partir daqui, surgiram uma imensidão de ofertas de trabalho. A começar, desde logo, por uma padaria. Aqui o salário passou para 1.250 escudos. Depois rumou à restauração, até ao ingresso no serviço militar. Em 28 de Julho de 1967 é incorporado então na vida militar, que se prolongou por 3 anos. Na tropa obteve a especialidade de Radiotelegrafista, ficando um pouco a salvo da vida no mato e da guerra colonial, que então marcava o dia-a-dia. Mesmo assim, ainda participou em algumas emboscadas.

Terminado o serviço militar obrigatório, foi trabalhar para o porto comercial, como Conferente de Bordo. Era então responsável por efectuar o relatório final das operações, relativamente à fiscalização, condições de recepção e embarque das mercadorias. Seguiram-se depois 4 anos ao serviço dos caminhos-de-ferro. Após realizados os respectivos testes psicotécnicos, iniciou-se como tirocinante de manobras no caminho-de-ferro de Moçâmedes. Ainda na empresa, desempenhou funções de capataz de manobras e, finalmente, condutor de trens, onde era responsável pelos horários, mercadorias e sinalização dos comboios, que eram conduzidos pelo maquinista.

Entretanto, com a descolonização, foi forçado a regressar a Portugal em 6 de Outubro de 1975. Conseguiu trazer para o continente todos os pertences, excepto o automóvel que possuía na altura. Para trás ficou uma vida de 13 anos por terras angolanas.

Chegado à terra natal, dirigiu-se à CP, no sentido do conseguir trabalho na área profissional. Acabou por ingressar nos caminhos-de-ferro a 1 de Dezembro de 1975. Optou então por ir trabalhar para Viseu, onde exercia funções na linha única de Sever do Vouga.

Então como surge o Vítor no mundo da Fotografia? A pergunta que se impunha, perante a actividade profissional até então desenvolvida, longe das máquinas fotográficas.

“Fácil, muito fácil”, afirma. “Uma vez em Viseu, recebia em casa o jornal da terra da altura. Penso ser o então Notícias de Coura, dirigido pelo Eduartino Cunha”, afiança. “Numa das edições, próximo do arranque do ano escolar, o jornal lançou uma crítica ao facto dos alunos terem necessidade de se deslocarem a concelhos vizinhos para conseguirem as fotos, tipo passe, necessárias e obrigatórias para as matrículas. Tudo isto devido à falta de um fotógrafo no concelho. Foi então que tomei a iniciativa de criar um estúdio fotográfico em Paredes de Coura, isto porque, durante as funções profissionais na CP, tirei um curso de Fotografia”, diz Vítor Cunha.

Eis então que, em Outubro de 1979, surge o estúdio fotográfico Rotiv, casa que marcou o ramo da fotografia no nosso concelho durante 39 anos.

Inicialmente era um primo da sua esposa, Dolores, que estava à frente da casa, enquanto o Vítor continuava ligado à CP, até que, em 1980, optou por sair dos caminhos-de-ferro, dedicando-se, a tempo inteiro, à nova empresa pessoal.

Durante quase 4 décadas, foram milhares de rolos revelados, milhares de fotos tipo passe e inúmeros eventos, com a cobertura fotográfica dos estúdios Rotiv. Foi uma lufada de ar fresco que chegou ao mundo da fotografia no nosso concelho, com máquinas sofisticadas e com uma revolução total na arte de fotografar.

Ao longo dos tempos, a empresa, que passou a contar com a colaboração dos filhos, Vítor e Vânia, foi enriquecendo e valorizando todo o equipamento, tornando-a numa das casas mais completas e sofisticadas no ramo, a nível do distrito.

A chegada da era digital começou a agonizar o sector. Hoje tudo é diferente, e as fotos e imagens são obtidas pelos mais diversos meios, sem a necessidade de recurso a profissionais. Mesmo as fotos tipo passe, outrora necessárias para a obtenção de documentos oficias, marcaram, de forma inegável, a agonia das empresas da fotografia.

Para a história de Paredes de Coura e dos courenses perdurará, para sempre, a imagem do estúdio inovador, que deixou marca na nossa terra e nas nossas gentes. Obrigado, Vítor Cunha!

 

 

 

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