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COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA

23 de Junho de 2020 | Albano Sousa
COURENSES QUE TÊM HISTÓRIA
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ARMANDO LIMA, O CARTEIRO TOCAVA SEMPRE DUAS VEZES

Continuando ao encontro de courenses com história fomos, desta vez, até à freguesia de Resende, ao encontro de um homem que começou pela hotelaria e acabou como carteiro. Pelo meio teve ainda tempo para ser árbitro de futebol, federado em Lisboa.

Armando da Cunha Lima, casado, com 74 anos de idade, é o homem de quem se fala. Oriundo de uma família numerosa, contando com uma prole de mais 11 irmãos, sendo ele o segundo mais velho, acedeu a contar ao NC algumas das facetas de uma vida preenchida.

Aos 16 anos, depois de concluída com êxito a instrução primária, eis a primeira aventura de um jovem empenhado em dar novo rumo à vida. Na companhia do amigo Amâncio Viana, decidiu, no maior segredo, rumar à capital. Foi então no dia 3 de Maio de 1962 que, pegando na mala de cartão, rumaram a Lisboa, sem conhecimento da família. Sem dinheiro para a viagem, pediu 2 contos de reis emprestados a um amigo. Com medo de o dinheiro não chegar para a totalidade da viagem, decidiram ir a pé até à estação de comboio em S. Pedro da Torre, de onde partiram ás 6h30 da manhã. Em Santa Apolónia, um conterrâneo os esperava, conduzindo-os até Cascais. Uma vez neste concelho, o courense “Tone Gago”, engraxador junto da Câmara Municipal, recebeu-os e conduziu-os ao presidente da Câmara da altura, a quem pediu trabalho para os dois patrícios acabados de chegar da província. O pedido foi atendido e, no dia imediato, os dois rapazes estavam no Boca do Inferno, para iniciar uma carreira profissional na construção civil.

Durou apenas uma semana essa aventura, isto porque, durante a primeira semana de trabalho, a barraca onde pernoitavam e onde tinham os utensílios de cozinham nomeadamente loiça, talheres e uma máquina de petróleo para cozinhar, foi assaltada, tendo os larápios levado todos os pertences. Perante este cenário de assalto, os dois adolescentes abandonaram Cascais e rumaram até Lisboa.

Foi então que o Amâncio foi trabalhar para o Hotel Piquenique e o Lima rumou até ao Hotel Borges. “Fui ganhar 300 escudos por mês e pagava de renda do quarto 125 escudos. Pouco sobrava para o resta das despesas”, adianta.

Aqui iniciou uma carreira de 15 anos ligados á hotelaria, com passagem por hotéis de nomeada, como o hotel do Casino Estoril, onde recorda o casamento do Rei de Espanha D. João Carlos, em Maio de 1967. A cerimónia de casamento foi nos Jerónimos e o copo de água servido no Casino Estoril. Recorda, com um sorriso nos olhos, um episódio vivido nesta emblemática cerimónia. Nas mesas de entradas contavam-se, além de outras iguarias, 32 perus de grande porte, recheados. Foi aqui que o Armando Lima, perante tanta fartura, combinou com outro colega de serviço ás mesas, o desvio de um dos perus para o jantar deles. Vai daí, o colega deslocou-se para o exterior do edifício, onde iria receber o peru lançado pela janela. Perante o peso do peru e o impacto do lançamento da ave desde o primeiro andar, o homem, ao tentar recebê-lo, deixou que o mesmo lhe batesse no peito, e caiu por terra. Na sequência da queda desmaiou. “Foi uma aflição, mas conseguimos desviar o peru para a janta”, garante Armando Lima.

Mais tarde decidiu estabelecer-se por contra própria. É então que assume os destinos da pensão Cara de Ferro, junto á sede nacional do PSD. Tendo ao serviço, a esposa e uma empregada. Recorda que servia, em média, 60 a 70 refeições diárias. Quando havia reuniões políticas na sede do partido, chegava a vender 20 volumes de tabaco, marca SG, “Era uma loucura”, recorda.

Depois do trespasse da casa, ainda teve uma incursão num minimercado, localizado na Graça, onde permaneceu durante 7 anos. Entretanto, a morte prematura da única filha do casal, vítima de leucemia, aos 8 anos, esteve na origem de uma enorme agonia familiar e, por consequência, o abandono da vida empresarial. Foi então que concorreu para carteiro do CTT, onde entrou em 1977, com contrato a prazo.

Como carteiro, depois de vários anos na capital, onde prestou serviço na Central de Correios de Benfica e de Arroios, em Lisboa, rumou mais tarde até Ponte de Lima, onde permaneceu durante 3 anos, transferindo-se depois para Valença, onde exerceu durante 2 anos, antes de rumar até Paredes de Coura, onde terminou a carreira. Quando cheguei a Coura éramos 7 carteiros, recordando, entre outros, os saudosos Arnaldo Silva, Manuel Lages e Silvino Mata. “Tempos difíceis, onde os giros eram efectuados de motorizada e não havia nomes de ruas nem número de porta, como hoje. Muito complicado, sobretudo no Inverno”, rememora.

Ao longo de três décadas de carreira profissional como carteiro são muitas as histórias vividas. De entre elas, destacamos uma vivida na capital quando, num prédio com 7 andares, procedia à entrega de correspondência registada. Depois de entrar no elevador, o mesmo parou a meio do percurso. Após largos minutos de espera e, já numa situação de algum desespero, começou a dar pontapés e murros no interior do elevador, despertando, com o barulho produzido, a curiosidade do porteiro do prédio, que de pronto, chamou os bombeiros. Foi hora e meia fechado, num momento de grande aflição, recorda. Outra situação rocambolesca viveu-a em Freixo, Ponte de Lima, quando ao entrar numa quinta, para entregar um registo, foi recebido por um pastor alemão, que se atirou a ele. Valeu, na circunstância, um guarda-chuva que tinha entre mãos. “Enfiei o guarda chuva na boca do cão e consegui fugir para fora do portão”, relata Armando Lima.

Adiantando ser mais fácil exercer a profissão de carteiro na cidade de Lisboa que nas zonas rurais, confessou à nossa reportagem que a grande paixão passou pela hotelaria e não fora os motivos evocados, nunca teria mudado de vida.

Para lá da carreira profissional, o Armando Lima ainda enveredou pelo mundo da arbitragem, chegando a integrar os quadros do Conselho de Arbitragem da AF de Lisboa, entre os anos de 1965 a 1967. A incursão pelo mundo do apito surgiu através do convite de um elemento da FPF que, na altura, era cliente do Casino Estoril. “Convenceu-me a tirar o curso, ideia que aceitei. Durante três épocas exerci a actividade, colocando um ponto final com o ingresso no serviço militar”, afirma. Nessa experiência, houve jogos complicados, sempre nas provas distritais da AF Lisboa. “Recordo um, em Carcavelos, onde choveram pedras após o apito final. Mas são tempos que recordo com saudade”, afiança o nosso interlocutor.

Muito mais teríamos para relatar, numa vida preenchida e difícil, mas ficou a intenção de divulgar um pouco da história de vida de uma figura que Paredes de Coura bem conhece e respeita, que durante anos levou pelas nossas aldeias, as boas e as más notícias. É sempre um prazer reviver histórias com o amigo Armando Lima.

 

 

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