TIA GRACINDA, A PARTEIRA COM MÃOS DE OURO
Nesta edição chegou a vez de dar voz a uma mulher. Sim, porque também existem muitas courenses com grandes e bonitas histórias de vida.
Padornelo foi ponto de paragem obrigatório. Ao nosso encontro veio a matriarca da freguesia, Gracinda Fernandes da Cunha, com a bonita idade de 96 anos e detentora de uma memória de fazer inveja. Mãe de uma prole de 9 filhos, viúva do saudoso Zé Caseiras, conceituado sapateiro e tamanqueiro da nossa praça, foi, ao longo de décadas, uma conceituada parteira, em tempos difíceis e onde o acesso à saúde e tratamentos hospitalares eram apenas uma miragem.
Em conversa com esta simpática interlocutora, ficámos a saber alguns segredos na assistência dada, nas muitas centenas de partos que assistiu ao longo da vida. Sem ensinamentos de ninguém, foi a partir do nascimento da primeira filha, “a minha Bela”, adianta, que surgiu o gosto pelo trabalho de assistência no parto. Sem acesso à medicina, os nascimentos eram todos em casa. Vai daí, após o nascimento da primeira filha, num parto assistido por uma parteira de Tojais, aprendeu como fazer e apanhou-lhe o gosto.
O primeiro parto que assistiu foi o de uma sobrinha. Tinha então uns 20 anos. A partir daqui foi sempre em crescendo, calcorreando muitas freguesias do concelho, chegando mesmo a ir para concelhos vizinhos, como Arcos de Valdevez e Ponte de Lima.
Ao todo são largas centenas de partos que assistiu e todos na perfeição. Com um brilhozinho nos olhos, adiantou que todos correram muito bem, sempre com nados vivos e saudáveis. Como amargo de boca, apenas um caso onde os trabalhos de parto se tornaram difíceis, ao ponto de ter aconselhado o chefe da familia a chamar o médico mas, infelizmente, não havia dinheiro para pagar ao doutor. “Ainda lhe disse que o meu Zé lhe emprestava o dinheiro, mas o homem depois não tinha como pagar a divida e recusou o empréstimo”, explica. O parto foi dificil, mas a criança nasceu robusta, com cinco quilos e meio. Infelizmente, a mãe acabou por não resistir no pós parto, vindo a falecer. “Foram momentos muito difíceis para mim, que me deixaram doente por muito tempo”, remata.
Recordando que o último parto que assistiu foi o da conhecida Catarina Sá, de Padornelo, hoje com 38 anos, foi-nos adiantando que os trabalhos eram sempre efectuados sem ajuda de ninguém. “Era só eu e a parturiente. “Nem os pais das crianças assistiam ao nascimento dos filhos”, afirma tia Gracinda.
“O meu homem apenas me acompanhou uma vez a Cristelo. Nunca mais me fez companhia”, adiantando, que foi o filho, o Quim Sá, figura de proa do atletismo courense, que mais vezes lhe fez companhia.
Ficámos ainda a saber que para efectuar os trabalhos de parto precisava apenas de umas tesouras, um pouco de azeite e, claro, as mãos sábias. Depois era esperar que chegasse a hora certa do nascimento. Alcançado o pescoço do bebe, a tarefa estava praticamente conseguida com êxito. A seguir vinha o corte do cordão umbilical e a criança estava no mundo.
Encimada por uma sabedoria ímpar, foi, ao longo de 13 anos a parteira assistente do saudoso médico Dr. Oliveira, ao ponto do conceituado médico da nossa praça a ter convidado a ser assistente no velhinho hospital de Paredes de Coura, tarefa que não aceitou perante a intransigência do marido em que aceitar o cargo.
Orgulhosa por uma carreira de sucesso, adiantou-nos ainda que todos os trabalhos de parto que realizou foram de forma gratuita, embora muitas vezes as pessoas quisessem pagar, mas nunca aceitou dinheiro. “Depois levavam-me coisas a casa, que me ajudavam muito na criação dos 9 filhos”, rememora.
Mas não se esgota no bonito e apaixonante trabalho de parteira e nas tarefas agrícolas e domésticas a actividade de uma das pessoas mais idosas da freguesia de Padornelo.
Para lá dessas tarefas, e que tarefas, a tia Gracinda é ainda um dos rostos mais visíveis da afamada padeca de Padornelo.
Segundo ela, esse ex-libris da freguesia vem já dos tempos dos avôs. A verdadeira e autêntica padeca tem, como tudo, os seus segredos, para ser verdadeira e original. Ficámos então a saber que a verdadeira padeca é feita apenas com farinha de trigo e fermento. Nada de farinha de centeio ou milho. Depois de amassada com água e sal, a massa é lançada num pano de linho em pequenas porções. Geralmente utiliza-se uma tigela pequena para fazer umas bolinhas. Cada padeca deve conter ente 3 a 4 bolinhas. Depois da massa levedar, e isso vê-se colocando um dedo na massa, vai ao forno de lenha e, passados alguns minutos, aí está a saborosa e apetecível padeca.
Falar da tia Gracinda é falar da famosa parteira do nosso concelho e também falar da apreciada padeca de Padornelo.
Muito mais haveria para narrar na história da vida de uma grande mulher, uma enorme mãe e um excelente ser humano, mas o espaço disponível limita-nos a descrever apenas os momentos mais marcantes de uma senhora que, apesar do acumular de muitos anos, ainda dá gosto conversar.
Foi um prazer entabular conversa com a dona Gracinda, com a promessa de marcar presença aquando dos festejos do centenário. Já não falta muito.