Com tanta coisa a acontecer ultimamente na esfera política, algumas pouco ou nada dignas, que envolvem figuras, ditas públicas, das altas patentes desse meio, parecia-me fácil construir uma opinião que pudesse servir como ponto de partida para muitas outras parecidas ou opostas à minha. No entanto, meu caro leitor, nem sei como, nem por onde começar. Talvez porque a minha mente esteja cansada. O nosso actual estado de sítio obriga-nos a estar em constante procura de soluções. Sobretudo para chegar até ao final do mês sem quebrar o porquinho minúsculo e quase invisível onde os portugueses acumulam actualmente as suas poupanças. Poupanças essas que teimam em fugir para outro porco maior, o Porcão que é o cofre do Estado.
Talvez seja isso, caro leitor, o final do mês ainda está muito presente. E este é, para as famílias em geral, cada vez mais agridoce. Estes últimos meses têm sido vividos com bipolaridade, num misto de alegria e de tristeza. Com alegria vemos a nossa conta bancária crescer repentinamente, e com tristeza, e quase com a mesma velocidade, vemo-la decrescer, sabendo de antemão que pouco ou nada irá sobrar. Acompanhamos durante os primeiros dias do mês o percurso do dinheiro que levamos o mês inteiro a arrecadar. Para muitos, com trabalho bem árduo. Apesar do alívio que sentimos com a chegada desse bálsamo à nossa conta, que mais parece uma paragem para uma breve pausa, os euros recém-chegados nem aquecem o lugar e passam para outras contas quase sem deixar rasto. Digo restos. Porque rastos eles deixam, com comprovativos de transferências e pagamentos. Começam então as descidas e as subidas da montanha ‘russa” (salvo seja). Os pagamentos das facturas dos bens essenciais que não param de subir, das rendas e dos juros bancários que sobem apesar da nossa ânsia para que desçam rapidamente. O sobe e desce dos combustíveis. As oscilações nas contribuições e obrigações que o ‘ser português’ nos impõe, os impostos, as taxas, as propinas, as multas avulsas e os seus juros injustos. Mas esta diversão alheia, que nunca é nossa, não acaba aqui. Temos a aberração dos empréstimos que fazemos ao Estado, sob a forma dos descontos do IRS ou do IRC e os seus pagamentos por conta, para os quais não cobramos qualquer juro. Somos um povo tão dado, que, mesmo sem poder, ajudamos quem tem o dever de o fazer. Um Estado que em vez de nos amparar, nos oprime com todas essas obrigações. Um Estado que nos leva o dinheiro, que tanta falta nos faz, emprestado durante um ano, e no-lo devolve sem juros, sim, sem juros, independentemente do tempo que demora para o fazer, nos reembolsos do IRS.
E por outro lado, esse Estado a quem emprestamos dinheiro, tem o descaramento de nos cobrar juros e multas duríssimas quando já não temos dinheiro para pagar alguma das obrigações citadas. E não, não se trata de uma piada de mau gosto. É a pura verdade. Costuma dizer-se que se queres perder um amigo, empresta-lhe dinheiro. Talvez esteja aqui uma justificação.
Mas quem, afinal, se esquece de satisfazer as necessidades do seu povo? São os nossos queridos, ou não, governantes e a sua pouca ou nenhuma vontade política. Alguns com muita falta de competências adquiridas através de vivências reais. As competências académicas são importantes, mas muito mais quando associadas a práticas vivenciadas. Políticos gananciosos e sem pudor que se colocam por vezes acima do Estado, como quando, por uma birra qualquer, recorrem às secretas para mostrar poder. Talvez isto possa ser considerado como uma mostra de abuso do poder. Ou como um erro de principiante. Esperemos que não passe disso.
Qual pandemia, qual guerra, qual inflação! Se não houver verdadeira vontade política num governante, para não falar de ética e boa conduta, por se tratar de um assunto complexo que nem sempre é devidamente interpretado, a falta de vontade política basta, a meu ver, para que o rio corra ao contrário. As calamidades e as catástrofes podem potenciar o efeito, mas nunca serão os verdadeiros ou únicos culpados.
Ora vejamos o seguinte exemplo, caro leitor. Quão atenciosos foram os nossos actuais governantes quando decidiram adotar a medida IVA zero para os bens essenciais. Eu, talvez porque esteja menos atenta, não dei conta desse efeito na minha conta bancária. Diria que foi zero efeito para o IVA zero. E para si, caro leitor, fez algum efeito?
Aqui está um bom exemplo de uma medida que foi tomada sem qualquer vontade política.
Estes simpáticos políticos abdicaram de arrecadar cerca de 400 milhões de euros com a sua aplicação. Logo, saíram 400 milhões do Porcão para entrar uns cêntimos nos nossos porquinhos. Tiram-nos o pão para nos atirarem uma migalha. Migalha essa pela qual teremos talvez que pagar algum qualquer imposto. Migalha essa que talvez nos leve ao atraso ou à falta do pagamento de alguma obrigação contributiva. Talvez o IMI, o imposto sobre os imóveis que nos pertencem, e que aumenta segundo a sua exposição solar. Segundo eles, um luxo pelo qual devemos pagar. E se não conseguirmos honrar essa obrigação ensolarada, castigam-nos, porque somos quiçá criminosos, com multas e juros que pagaremos a um Estado que já nem nosso amigo é. Sim, 400 milhões de euros que talvez já façam falta no Porcão, ou cofre do Estado, ou saqueador dos nossos porquinhos, como lhe queiram chamar. Dinheiro do bem comum para o bem de quem, afinal? Do Porcão para o porquinho de quem? Para o meu não foi. Espero que pelo menos, tenha sido para o seu, caro leitor!