Numa das viagens a Lisboa que a minha condição de mãe me leva a fazer regularmente, além da minha filha, também me acompanhou a minha mãe, Lucinda. Como boa conversadora que é, ia falando sobre tempos em que trabalhou em Lisboa. As recordações que ia descrevendo foram preenchendo o meu imaginário. Uma delas transportou-me para um acontecimento conhecido pelos piores motivos e que ela vivenciou bem de perto. Diria até que por um triz escapou ao desastre do Cais de Sodré que aconteceu no dia 28 de Maio de 1963.
Nesse fatídico dia, pelas 16h00, a cobertura dos alpendres do Cais de Sodré ruiu. Mais de 100 pessoas ficaram soterradas. A minha mãe e uma colega de trabalho, vindas de São João do Estoril, tinham acabado de sair da estação. “Não demos por nada”, contou-me ela. Foi a então patroa, já sabedora do acontecido, que veio ao encontro delas e lhes contou o que o destino lhes poupou. Neste acidente, 49 pessoas morreram e 69 ficaram feridas, reportavam as notícias de então (e. Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1888 -1942).
Pessoas inocentes morreram e a responsabilidade do acontecimento foi investigada e noticiada. O Tribunal da Comarca de Lisboa condenou a Sociedade Estoril, entidade que concessionava a Linha de Cascais na altura do acidente, a pagar uma quantia indemnizatória mensal vitalícia aos familiares das vítimas.
É certo que, desta forma, foi feita alguma justiça! Mas vai aqui um aparte que eu considero importante. Um aparte que despertou a meu senso de justiça. Aquelas coisas que acontecem e que nos fazem franzir o sobrolho pela sua franca e explícita falta de justiça.
As indemnizações devem ter sido calculadas em função dos casos. Verifiquei que num dos exemplos reportados e que se tornou público – de uma jovem senhora com uma filha menor que perdeu o marido nesse trágico acidente – a indemnização atribuída foi de mil escudos mensais. Uma quantia que me parece justa para a altura.
Em virtude da situação precária em que se encontrava a Sociedade Estoril acumulada com a cessação da exploração da Linha de Cascais, o pagamento passou para a responsabilidade da CP em 1980. Um acto que a CP assumiu até 2002, ano em que simplesmente decidiu deixar de pagar.
Esta cidadã usou os meios que tinha ao seu dispor para que a pensão de 5 euros (em conversão de moeda) lhe fosse reposta e restituída. Mas infelizmente pouco ou nada conseguiu. E conforme se pode ler numa decisão emitida pela Provedoria da República da altura e noticiado pelo Expresso em 30 de Abril de 2011, o Governo nada fez para que esta senhora de mais de 90 anos de idade recebesse o que era dela por direito. Além desta triste realidade, o aparte que me despertou para este caso foi que o valor da indemnização que lhe atribuíram nunca sofreu qualquer actualização! Passados 40 anos após o trágico acidente, essa senhora ainda recebia os tais mil escudos. Que se transformaram em… cinco euros!
Tinha esta história em mente quando li um artigo recente do jornal Público. “Os deputados dos Açores e da Madeira recebem uma compensação do Parlamento no valor fixo de 500 euros (num total de 2000 ou mesmo 2500 euros por mês, conforme os meses), mesmo que não viajem e sem necessidade de apresentar comprovativo de voo”. O mesmo acontece com os deputados de outros círculos eleitorais, com a diferença de o valor não ser fixo, mas sim pago ao quilómetro”.
Além desta realidade, alguns deputados duplicavam o apoio. Recebendo da ilha por viagens pagas pelo continente. Como irá acabar esta novela dos tempos actuais? Haverá justiça nesses pagamentos? Deveria eu referir algum aparte sobre as dúvidas que me ocorrem para este caso? Para Ferro Rodrigues não há dúvida. Conforme se pode ler no Jornal de Noticias, “o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, considera que os deputados eleitos pelas Regiões Autónomas não cometeram nenhuma ilegalidade, tendo beneficiado dos abonos e subsídios que sempre existiram, sem polémicas ou julgamentos de carácter”.
Estas histórias que vos contei descrevem as tendências dos políticos sobre a utilização do dinheiro que é de todos nós. Nas questões relacionadas com eles, políticos, e nas questões relacionadas connosco, população ou povo conforme os gostos.
Talvez a expressão que utilizo no título não esteja bem aplicada a estes dois casos. No entanto, e apesar das diferenças contextuais e temporais dos dois acontecimentos que eu acabo de descrever neste texto, foram estas as palavras que me ocorreram. Talvez fruto da nossa capacidade de readaptar os ditados à nossa realidade actual. Talvez! Palavras que retratam uma crítica, não a um partido em especial, mas aos políticos em particular, com excepção de alguns (pelo egoísmo ou falta de compaixão em relação a certas decisões).
E a si, caro leitor? Que tipo de sensação lhes causaram estes relatos? Será que também considerou que nestas situações (apesar de pouco similares) há um tratamento distinto por parte dos políticos? Aqueles que foram eleitos por nós para nos representar… e não para se representarem!