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“Gente do Minho veste panos de linho”

10 de Outubro de 2023 | Sandra Fernandes
“Gente do Minho veste panos de linho”
Opinião

Tal como no título, também o conteúdo desta crónica vai rondar o nosso querido Minho, mais propriamente o Alto Minho. A minha zona de conforto, o meu refúgio, a minha inspiração e acima de tudo a minha Casa. Esta temática surgiu, por diversas vivências que recentemente fizeram parte dos meus dias. Desde ser notícia pelo uso de um adereço que remete à minha terra e ao reconhecimento e carinho que têm por mim e que eu tenho pela nossa maravilhosa terra.

Caso não saibam é sempre uma surpresa agradável ler artigos sobre gestos que eu pratico, por vezes apenas por instinto, e aos quais são dados certa relevância. Aconteceu recentemente, quando usei o lenço com os padrões minhotos num evento em Lisboa. Isto numa altura do ano em que a nossa terra se veste com romarias coloridas e muito alegres. E, por ter estado a viver um pouco de cada uma delas durante as minhas férias em casa, foi por instinto minhoto, que eu achei pertinente acrescentar um apontamento da minha região ao lindo vestido branco Fátima Lopes, tornando o conjunto ainda mais belo. Quis trazer comigo, para o evento dos 25 anos da Face Models (agência onde me encontro), um pouco desse espírito festeiro e da verdadeira beleza minhota. E ver esse gesto ser elogiado na imprensa da minha terra, em primeira mão pela Rádio Vale do Minho, repetido por outra imprensa de relevo da região, e destacada com o carinho do nosso Notícias de Coura, encheu o meu coração. Senti que consegui com um gesto simples fazer algo bonito e ser reconhecida por isso.

Mas este reconhecimento, não foi o único factor que me levou a escrever esta pequena homenagem à minha terra. Outro motivo foi a descoberta de uma tasquinha na Praça do Comércio, que pertence a um senhor de 80 anos e natural, sabem de onde? Paredes de Coura! Apesar de não ter sido eu a descobrir este espaço, fiquei curiosa. Neste momento ainda não fui visitar este nosso conterrâneo, mas foi bom terem vindo falar comigo acerca disso. Onde as palavras associadas ao senhor e ao seu “tasquinho” foram verdadeiramente dóceis e representativas de uma boa experiência por parte da amiga que lá tinha ido. Um local onde a bondade e hospitalidade são a base e onde as nossas raízes são prezadas. “Senti que não estava em Lisboa. Senti-me acolhida sendo eu uma mera desconhecida”, foram as palavras que a minha amiga usou para descrever a sua experiência. E eu não duvido do nosso dom de ser assim, por esse motivo, já tenho apontado na minha agenda uma visita a essa tasquinha para, assim, poder conhecer melhor esta história e vir cá contar-vos.

Nestes últimos tempos tenho sentido uma proximidade mais intensa com as ditas “origens”. Voltei a sentir o calor de ser minhota e vir de uma vila onde o carinho e a preocupação fazem dela uma boa influência. Voltei a sentir-me uma novata que vagueia pelas incansáveis ruas lisboetas. Voltei a cumprimentar as pessoas na rua, a iniciar conversas nos transportes públicos, voltei a tentar trazer as minhas raízes para a grande capital. Interacções que já não me lembrava de vivenciar na “Lisbonita”. Nestes últimos anos, após a pandemia, perdi um pouco esse ‘à vontade’. Já não sentia a necessidade de o fazer. Caminhava comigo mesma e sentia um vazio inexplicável. Quando voltei para Lisboa, no início de Setembro, vinha com um ar nortenho que só quem não conhece é que não o consegue antever. Desde o sotaque ao próprio olhar as pessoas conseguem desmascarar-nos facilmente. Admito que eu me vinha a sentir disfarçada no sentido de me sentir camuflada. Mas a verdade é que eu não quero esse disfarce, eu não quero perder esse descaramento de perguntar como se chama a pessoa que vem ao meu lado, de dizer bom dia ao entrar num café, de pedir direcções a um lojista e até de ajudar um turista. Não vou generalizar, mas a verdade é que em Lisboa o que eu sentia da maioria das pessoas com quem me cruzava era uma total indiferença, talvez em modo de camuflagem. Cada um na sua vida, tudo porque não há iniciativa em começar uma interacção. “Porque não quero ser inconveniente”; “Porque não tenho tempo para conversar”, justificações que surgem do receio que existe nas grandes cidades, tanto em incomodar como em ser incomodado. Não quero dizer que os lisboetas sejam frios, porque estaria a mentir, simplesmente não gostam de mostrar esse lado mais interactivo a toda gente, ou pelo menos tentam não o fazer. Talvez por não verem na grande Lisboa uma casa, com aquele significado de casa, como eu vejo na minha rica terra.

Como é do conhecimento de todos, ter uma casa nos dias de hoje tem sido um desafio para muitos, a crise na habitação que estamos a viver é completamente desumana. Ver pessoas a morarem em carrinhas, em terrenos ou espaços que não reúnem as condições básicas, sem falar dos moradores de rua que têm vindo a aumentar a escalas absurdas. Toda esta situação é triste e assustadora ao mesmo tempo.

Poder chamar casa a algo deveria remeter para o conforto, o aconchego, um lugar com o qual nos identificamos e que nos transmite uma sensação de alívio quando entramos. Mas neste momento, para muita gente, esses não são os alicerces inerentes à palavra Casa. Tornando-se o Lar num desenrasque, onde a qualidade de vida já não é uma “necessidade” passando a ser, em muitos casos, um local negativo ou até depressivo. Para mim é horrível ouvir essas pessoas a dizerem, “Há quem esteja pior”, porque essa frase no meu ponto de vista tem um sentido bastante depreciativo. Tudo porque, quando a dizemos estamos de alguma forma a sofrer, pois caso contrário qual seria o propósito de a proferir? Queremos mostrar força e menosprezar as nossas dificuldades, visto que haverá sempre alguém pior. No entanto, não deve ser por esse “alguém” estar pior, que devemos desvalorizar o nosso mal-estar.

Espero que esta palavra nunca perca o seu verdadeiro sentido para mim. Que o Minho, o Alto-Minho, Formariz, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Viana do Castelo, família e amigos nunca deixem de ser a minha Casa.

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