A campanha para o Pedido Único, conhecido como candidaturas aos subsídios agrícolas que normalmente acontece entre Fevereiro e Abril, foi este ano do mais longo, complicado e desgastante processo que alguma vez tivemos. Esta, teve início em um de Março e terminou a trinta de Julho. Ou, melhor dizendo, terminará a trinta de Setembro, porque ainda nos encontramos a introduzir documentos na plataforma para fechar processos.
Quem terá provocado toda esta trapalhada, caro leitor? A teimosia de certos decisores em aplicar um novo sistema sem o dar previamente a conhecer, e com o tempo necessário para assimilá-lo. Pergunto-me se ninguém poderia ter previsto esta avalanche de problemas que esta aplicação mal estudada e mal explicada, provocaria? Esta derrocada provocada por quem só se importa em aparecer, bem cuidada e de lábios impecavelmente pintados, mas sem vontade nenhuma em cuidar da agricultura nacional.
Alegraram-se certos políticos, por serem dos primeiros a chegar a Bruxelas, com uma explosão de ideias (mal estudadas) para o cumprimento de normas e regras europeias complexas. Se a ideia era apenas ficar bem na fotografia, o propósito foi alcançado no início, porque de resto ficaram muito mal em todos os sentidos. Teorias mal testadas, supostamente em prol da defesa do ambiente, mas esquecendo-se da agricultura e dos agricultores portugueses. Esqueceram-se também de todo o trabalho já feito, do caminho já percorrido pelos verdadeiros intervenientes em prol do ambiente. Desprezaram os agricultores e os técnicos deste sector mal-amado. Que trabalham nas entidades privadas, e nas públicas também, aquelas que foram extintas, mas que continuam a existir.
Uma campanha mal-amanhada, caro leitor. Uma quantidade de alterações mal desenhadas, algumas de aplicação duvidosa, para não dizer impossível. O que obrigou a várias alterações no início, no meio e no fim de um jogo demasiado importante para quem trabalha de sol a sol. Um jogo que acabaria por ser prorrogado duas vezes. Sem esquecer o adiamento do seu início em virtude do atraso na publicação da Portaria com as regras para esta trapalhada toda. Demoraram uma eternidade para publicá-la, vá lá saber-se porquê. E aos interlocutores do sector, deram-lhes apenas um dia para estudá-la e aplicá-la. Sabemos que são bons, mas nem tanto, e sobretudo com medidas de difícil interpretação. Quase que tiveram que voltar à escola, com Webinares promovidas por entidades públicas, preparadas em cima do joelho, e que em vez de os elucidar só serviram para baralhar o seu raciocínio.
Será que estes missionários políticos e afins não sabem que as regras devem ser acordadas muito antes do início do que quer que seja. E isto, para que nenhuma das partes envolvidas seja prejudicada. Com prazos admissíveis e sensatos para que os técnicos conscientes da sua responsabilidade, se possam preparar para prestar os serviços com conhecimento e confiança.
Todo este processo em curso, que de simplex nada teve, não beneficiou nem o agricultor, nem a agricultura e muito menos o ambiente. Aliás, talvez prejudique este último, caso se venha a verificar o aumento de receio e abandono da agricultura nas terras rurais, principalmente no minifúndio. Será que estes amigos do ambiente percebem o quão prejudicial pode ser para todos o aumento do abandono das terras?
Além de que, caro leitor, estes seres desconfiados e controladores prepararam-se para estar de olho em tudo, desprezando a importância dos seus próprios técnicos de campo. Estes criaram uma nova ferramenta, o ‘Sentinela’, um sistema de vigilância de superfícies. Este serve para verificar de forma automática, através de imagens de satélite e algoritmos de inteligência artificial, as supostas infrações dos agricultores, que logo à partida, são tratados como mentirosos.
Este equipamento inovador, caro leitor, verifica se a cultura declarada na candidatura se encontra efectivamente no terreno. Ele emite semáforos vermelhos para os incumprimentos. Mesmo que estes sejam originados pela ausência de uma cultura por estar fora do seu ciclo vegetativo, isto é, se o agricultor declarou a cultura da batata é natural que esta já não esteja no terreno em Setembro. No entanto esse agricultor é logo indiciado a fazer prova do contrário. E como o faz, pergunta o caro leitor. Neste caso em particular, sinceramente não sei, porque os esclarecimentos ou são vagos ou não existem. Talvez tenham os agricultores de espalhar a produção obtida, ou parte dela, pelo terreno? Nos outros casos, como por exemplo para as culturas permanentes no terreno, os agricultores info-instruídos deverão instalar uma aplicação no seu telemóvel, através da qual deverão tirar uma bonita fotografia georreferenciada.
Pois é, cara dona Maria… veja lá isso Sr. José… toca a comprar um smartphone capaz e uns gigas de internet. Esqueçam lá as gigas de uva que não colheram. O que é realmente importante agora, é saber utilizar os outros gigas para comunicar com o Sentinela. Caso contrário, será declarado como culpado, porque actualmente não aceitam outra forma de comunicação.
Parece-me, caro leitor, que alguns políticos deveriam sair um pouco mais do Terreiro do Paço para visitar os avós que vivem na aldeia.
E já agora, será que o tal do Sentinela tem inteligência artificial suficiente para lançar um semáforo vermelho no território onde aparecem o maior número de aves raras, que parecem não saber que o passado é tão ou mais importante que o futuro ou presente, o Terreiro do Paç(ar)o? Estas parecem não saber que o passado é tão ou mais importante que o futuro, ou presente para esta situação em particular.
Voltando aos semáforos vermelhos, os que foram recentemente enviados para os agricultores em busca dos incumpridores. Seria talvez uma solução, e sem recorrer à inteligência artificial, transformá-los em verdes tintos, apesar das poucas uvas colhidas em certas zonas da nossa região. Um néctar para hidratar aqueles que tiveram a ideia desastrosa de aplicar este sistema nesta altura de excesso de trabalho. Talvez pudesse ajudar a refrescar essas cabeças cegas pela inovação. Para estes apresentarem alternativas atempadas. Sobretudo para territórios como o nosso, onde ainda se vendem muitos telemóveis com teclas e sem internet.
Nestas situações, e porque se preocupam com os seus agricultores, serão os técnicos das entidades privadas que se deslocarão ao campo para averiguar, digo fotografar, porque também estes não são de confiança. Fotografar para contrariar uma máquina que talvez não tenha sido devidamente testada. E mais uma vez aumenta-se o trabalho dos técnicos que nada recebem, nem mesmo um obrigado, por fazer o que é da competência do Estado. Consequentemente também aumentam os custos para o agricultor que terá de pagar por este serviço.
Os agricultores, quiçá insatisfeitos por serem tidos como prováveis criminosos, e por terem de pagar serviços sem fim, qualquer dia demitem-se das suas funções em prol do bem comum. Entregando a sua pesada pasta (da prática no terreno) da gestão e preservação da arquitectura paisagista em prol do ambiente. Talvez entreguem aos técnicos e políticos pensantes e sentados que certamente nunca pegaram, sequer, numa enxada e muito menos num telemóvel com teclas.
Meu caro leitor, a meu ver, estamos perante um completo desrespeito pelos Agricultores e Agricultura em Portugal. Todo este controle exagerado é indecente, apontando todos os agricultores portugueses como possíveis incumpridores, mentirosos, ou criminosos talvez. Indignação, caro leitor, um sentimento para a agricultura nacional.