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Isabel Sousa relata na primeira pessoa a experiência de ter duas filhas celíacas

4 de Outubro de 2016 | Ricardo Bettencourt
Isabel Sousa relata na primeira pessoa a experiência de ter duas filhas celíacas
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‘A minha filha já veio para casa a chorar porque os colegas tinham levado bolos e ela não os podia comer’

 

O mundo dá muitas voltas. Muitas vidas também. Isabel Sousa é uma mãe de duas filhas como tantas outras. Só que tantas outras são também as suas vivências que a distinguem das demais. Alexandra, de 15 anos, e Clara, ainda nos tenros 8, foram diagnosticadas há quase dois como sendo doentes celíacas, algo que alterou a forma como o mundo é por elas percepcionado. O Notícias de Coura esteve à conversa com a mãe, uma courense de sorriso nos lábios e um corajoso coração, para perceber como esta doença é vivida no seio familiar.

 

Não se pode dizer que a doença celíaca seja muito conhecida. Como é que descobriu que as suas filhas padeciam dela?

A minha filha mais velha, de vez em quando, era capaz de passar um dia inteiro ou uma noite inteira com cólicas muito fortes. Passado algum tempo, começou também a vomitar. Nós começámos a achar aquilo muito estranho, e então levámo-la ao pediatra. Ele deve ter desconfiado de qualquer coisa, porque mandou logo fazer aquelas análises específicas para essa doença. Nessas análises, acusou logo valores altíssimos. Ele ligou-me a dizer que teria de fazer o seguimento para obter realmente o diagnóstico definitivo, tinha de fazer uma biópsia ao intestino, porque a doença celíaca afecta principalmente o intestino delgado. Fui ao Hospital de São João, no Porto, que é onde ela agora está a ser seguida – as minhas duas filhas, na verdade –, e confirmou-se que realmente era doente celíaca.

 

Como é que as suas filhas receberam essa notícia?

Eu até acho que elas não receberam mal. Quer dizer, é um bocado complicado para as crianças, sobretudo, por exemplo, nas festas de anos das colegas. Houve uma vez em que a Clara veio para casa a chorar porque os colegas tinham levado bolos e ela não os podia comer.

Nestas situações pontuais é que elas ficavam um bocado sentidas. Tendo em conta que estavam habituadas a comer de tudo e de um momento para o outro viram-se obrigadas a mudar a dieta, eu acho que elas até aceitaram bem. Os amigos acharam estranho o facto de elas levarem sempre tupperwares com comida de casa, mas hoje em dia às vezes pedem para provar as comidas e tudo. Nunca as puseram de parte nem nada. Às vezes, quando eles não gostam do almoço na escola, até dizem “ai, eu queria era ser como a Alexandra para poder comer aquilo e não isto!”.

 

E como é que é em concreto a dieta delas?

Elas não podem comer pão normal, tem de ser um específico, sem glúten, comprado ou feito às vezes em casa por mim. Massa normal também não podem comer, tem de ser a isenta de glúten. Nas compras temos de estar sempre atentos aos rótulos, porque há coisas que às vezes já dizem “isento de glúten”, mas há outras que não. Há muita coisa que a gente não imagina que pode ter glúten e tem. Na dúvida, o melhor é não consumir. Há outra coisa complicada, que é a contaminação cruzada: por exemplo, eu estou fazer a massa para elas e mexo-a com a colher que usei para mexer a minha massa. Isso não pode acontecer mesmo. Não podem torrar pão na nossa torradeira, têm de ter uma torradeira só para elas. Basta uma migalha para lhes afectar. E por isso têm de levar sempre o pequeno-almoço e o lanche de casa. Sempre. Não podem, por exemplo, comprar alguma coisa no bar da escola. Ainda há pouco tempo uma das minhas filhas teve uma festa de anos e teve de levar um bolo de casa. Mas também já aconteceu irem a festas de anos em que os pais dos aniversariantes tiveram o cuidado de pedir para fazer um bolo sem glúten.

 

Em termos de custos, quão dispendiosa é a dieta das suas filhas?

É para aí o triplo do valor. Por exemplo, eu compro um pacote de bolachas Maria sem glúten por dois euros e quarenta cêntimos enquanto antes comprava um pacote que vinham quatro por um euro e pouco. A massa é igual: meio quilo de massa é um euro e noventa e nove cêntimos enquanto a massa normal nem a um euro chega.

 

E tem algum tipo de apoio que a ajude nesse âmbito?

Além do abono de família, recebemos um tipo de subsídio – não me recordo do nome exacto agora – destinado a pessoas com doenças crónicas até uma certa idade. Aqui na escola, este ano ainda não sei, mas no ano passado deram o escalão A para não pagar as refeições, o que já é uma ajuda. Além disso, mais nada.

 

Como é que é o dia-a-dia de uma mãe com duas filhas com essa doença?

Tenho sempre essa preocupação de ter alimentos em casa que elas possam comer. Dantes não me precisava de me preocupar muito, mas agora tenho sempre de fazer as refeições com cuidado. Já praticamente não tenho coisas em casa com glúten! Hoje em dia já estou mais automatizada nesse aspeto, porque já há dois anos que faço isto. Já é mais natural. Também sigo grupos no Facebook de pessoas que também são celíacas, onde vou aprendendo algumas receitas próprias.

 

Funcionam como um grupo de entreajuda online, não é?

Exato, de entreajuda. Vou lá e tiro dúvidas sobre coisas que se pensava que se podia comer mas afinal não… Também há pessoas mais velhas, mais experientes, que ajudam nisso.

 

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