O 25 de Abril, além de um dia igual aos outros, sobretudo nos locais onde não passa de uma data no calendário, é um dia de grande importância para nós, portugueses. Este dia representa o início da nossa liberdade perdida. E esta, caro leitor, tem um valor incalculável. Ela coloca nas nossas mãos o poder da liberdade de escolha, uma arma de paz preciosa. No entanto, e para que a chama nunca se apague, é essencial relembrar um certo verso que foi cantado numa linda madrugada de Abril: ‘…o povo é quem mais ordena…’. E que essa lembrança sirva para recordar a todos aqueles que têm actualmente as rédeas do poder, que foi o povo que lhas confiou.
O passado conta-nos histórias, e algumas delas são gloriosas. Terá este dia sido glorioso para mais alguém que não nós, portugueses? Terá este dia libertado mais algum povo reprimido? Terá este dia acabado com o fascismo em mais algum país latino? Se sim, estaríamos perante a hipótese de uma grande coincidência.
Pois é, caro leitor, coincidência ou não, o dia em que comemoramos o fim do regime ditatorial de Salazar, que durava há já 48 anos, já era comemorado, há cerca de 29 anos, por um motivo semelhante, noutro país bem próximo. Desde 1945 que os italianos o comemoram como o dia da libertação da Itália, do fim do fascismo e da influência nazi. E é como que um ‘déjà vu’ ao contrário, porque o dia 25 de Abril de 1945 também acordou ao som de uma música. A Itália acordou ao som da ‘Bella Ciao’, uma canção de autor desconhecido, que seria mais tarde recordada como o hino da resistência italiana, os ‘Partigianos’, guerrilheiros antifascistas. Foi nesse dia, ao som desse hino da liberdade, que a resistência italiana anunciou pela rádio, a tomada do poder e a pena de morte para todos os fascistas. Mas as semelhanças não ficam por aqui, caro leitor, na letra desse hino italiano a flor foi simbolizada como a flor da resistência, como podemos verificar no resumo da canção que eu transcrevo aqui, em português, “…E se eu morrer como um membro da Resistência; Você deve-me enterrar; e me enterre no alto das montanhas… Sob a sombra de uma bela flor; todas as pessoas que passarem… me dirão: Que bela flor! E essa será a flor da Resistência… Daquele que morreu pela liberdade…”. Uma canção, uma revolta, uma flor. A flor simboliza a resistência e a coragem daquele que morreu pela liberdade. Morrer pela Liberdade.
Volto agora a Portugal, e ao nosso glorioso Dia da Liberdade, que aconteceu em 1974, pela mão dos militares, dos revoltosos Capitães de Abril. Nessa madrugada, Portugal também acordaria ao som de uma música, a ‘Grândola, Vila Morena’, de Zeca Afonso, entoada pela Rádio Renascença. A música, que de ilegal passaria a hino da capitulação do Estado Novo, já era um símbolo da luta popular e perpetuou-se como o hino da revolução, como o hino da liberdade. Uma canção, uma revolta.
A nossa revolução foi, por fruto do acaso, também simbolizada por uma flor, o cravo. E isto porque, como nos conta o passado, o aparecimento do cravo no cano da espingarda dos militares, deve-se a Celeste, empregada do restaurante ´Sir´ que festejava nesse mesmo dia um ano de abertura, a gerência tinha decidido comemorá-lo oferecendo flores às senhoras clientes. Mas como não abririam as portas em virtude do golpe anunciado, decidiram distribuir as flores pelos empregados e mandá-los de volta para a segurança de suas casas. E foi nessa volta que Celeste ofereceu as flores que trazia aos militares com quem se cruzava, desde o Chiado até a Igreja dos Mártires, dizendo-lhes: “Se quiser, tome, um cravo oferece-se a qualquer pessoa”. O gesto da Celeste replicou-se e, por fruto do acaso, o cravo foi a flor que passou a simbolizar a luta pela liberdade. Uma canção, uma revolta, uma flor. Lutar pela Liberdade.
Lutar pela Liberdade. Morrer pela Liberdade.
Não será isto o que o povo ucraniano faz, de forma corajosa e destemida, há cerca de 3 meses, em pleno século 21?
Desejo, caro leitor, que este ano, o 25 de Abril seja deles. Que esse, ou um dos próximos dias, seja o dia da libertação desse povo e o fim desta guerra impiedosa e devastadora. Que a flor deste ano, seja o Girassol. E que o hino seja, o ‘Hino Nacional da Ucrânia’, como se canta de seguida em Português:” …A Ucrânia não pereceu, nem sua glória e a sua liberdade; O destino voltará a sorrir-nos, irmãos ucranianos; alma e corpo doaremos pela nossa liberdade. Desaparecerão nossos inimigos, como orvalho ao sol; e governaremos, irmãos, sobre nosso país; lutaremos de corpo e alma por nossa liberdade; e mostraremos, irmãos, que somos uma estirpe de cossacos…”. Lutar e Morrer pela Liberdade. ‘Slava Ukraini’.