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Meu caro amigo Abílio Belo:

22 de Fevereiro de 2022 | Gorete Rodrigues
Meu caro amigo Abílio Belo:
Opinião

Pela primeira vez, após tantos anos e tantas viagens, cheguei a Díli, cansado já da longa viagem, e não encontrei o seu sorriso de boas vindas, nem tive o abraço de amizade que nos prendia a uma cumplicidade pessoal e académica.

Foi com extrema dor, de olhos molhados de tristeza, daquela que parece não terminar nunca – e a vida é esse sopro de alegrias que também desaparece num instante, como se fosse levada pela mais enigmática brisa que mal se sente, embora seja feita de ventos violentos, incompreendidos, silentes – que segui caminho, melancólico e de lágrimas profundas, em direção ao hotel, querendo acreditar que seria errada a notícia recebida de Timor-Leste acerca da sua morte.

Nesse mesmo dia, pelos corredores da UNTL, senti ainda mais a sua ausência, como se pudesse sonhar que estaria ainda na Filosofia ou na Educação, embora a sua Faculdade tenha ficado decidida com o doutoramento que, brilhantemente, realizou na Universidade do Minho.

E foi, assim, que esteve três trabalhosos anos em Braga, cumprindo com rigor as exigências académicas, escrevendo o seu texto de tese em inglês – porque na língua portuguesa reiteradamente perguntava, “Como se diz, como se diz?” – e defendendo-o, em provas públicas, com reconhecida maestria.

Além disso, teve tempo de olhar pelos seus colegas, incentivando-os a não desistirem das lides académicas e a cumprirem o desafio da jovem nação que é Timor-Leste, ao nível da qualificação dos seus quadros.

Com toda o seu empenho, que começou depois de ter completado o ensino secundário, aderiu, de corpo e alma à resistência, sentiu o quão difícil foi manter essa chama bem acesa, para que a nação viesse a cumprir o ideal da sua independência, fez formação já em tempos de eufórica liberdade, obteve qualificação superior noutro país, regressou para trabalhar na universidade, tornou a viajar, ainda para mais longe, para regressar com o título de doutor e assumir novas e prometedoras funções. A educação era a sua paixão, e essa paixão nos uniu e ofereceu uma sincera amizade. Estou-lhe profundamente grato.

É verdade, sim, que a pandemia virou de avesso as nossas vidas, mas para si foi ainda mais punitiva, impedindo-o de sair para as Filipinas, onde estaria com os seus, mesmo que as suas raízes estejam na terra de Baucau, onde nasceu a 15 de maio de 1965, e da qual falava com o mais puro sentimento de pertença. Como árvore que morre de pé, mesmo que vá perdendo seus ramos, manteve a chama acesa da vida até 26 de agosto de 2020.

Dizem as letras epigrafadas em Becussi, que pude ler, em tarde cinzenta de intensa dor, que partiu, mas que a presença estará sempre em nossos corações.

Por mais que tenhamos de racionalizar a morte, dizendo-nos Clarice Lispector, em “A Hora da Estrela”, “Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo,” tenho de lhe confessar, caro amigo Abílio Belo, que o ter perdido a sua amizade – e também o seu carinho de vida e a sua vontade de estar sempre dentro do futuro – não passou, não, e que jamais virá a passar.

 

 

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