Última Hora

O rio que passa em Serpa

4 de Julho de 2017 | Armando Lopes
O rio que passa em Serpa
Opinião

No ano letivo anterior, os alunos que frequentavam o 4.º ano de escolaridade safaram-se de realizar exames nacionais de português e matemática. Talvez por isso a taxa de retenções tenha sido tão baixa, talvez por isso as notas atuais de muitos deles sejam tão baixas, talvez por isso os professores do 5.º ano se queixem que muitos deles não deviam ter transitado com tantas competências por atingir. Talvez… ou talvez não. Mas este ano não se safaram… foram sujeitos a uma prova de aferição de história e geografia de Portugal, catorze páginas de questões entre mapas, imagens, ilustrações e muitos quadradinhos, provavelmente para colocar cruzinhas!

Uma das questões da prova debruçava-se sobre os rios. Fez-me lembrar aquilo que as crianças aprendiam no Estado Novo, tinham de “decorar” os rios, as províncias, as estações de caminho de ferro, da metrópole e das colónias, coisas verdadeiramente importantes! Importa salientar que eu não sou desse tempo, mas ouvi falar, e acredito nas pessoas que me contaram. Eu já sou do pós 25 de Abril, aprendíamos, quer dizer, “tínhamos de decorar” coisas muito mais interessantes, como por exemplo a constituição do granito, quartzo, feldspato e mica! Estão a ver?! Ainda hoje sei! E tem sido extremamente útil na minha vida!

Voltando à prova, e aos rios, confesso que uma das questões me deixou com dúvidas… embora suspeitasse que era o Guadiana que desaguava em Vila Real de Santo António, não sabia que passava por Serpa! De Serpa, sei que fica no Alentejo, que tem bom queijo (provavelmente bom vinho), e que deve muita da sua expansão ao saudoso Nicolau Breyner.

E agora pergunto? É importante saber que o Guadiana passa em Serpa? Será assim tão importante saber que desagua em Vila Real de Santo António? E depois… fiquei irritado pois os alunos de Serpa safaram-se todos nesta questão (espero bem que sim!), e os alunos de Coura não tiveram a oportunidade de ter uma questão onde se safassem também, por exemplo: – Qual o rio que passa em Paredes de Coura e desagua na margem esquerda do rio Minho, em Caminha? Escuta lá, dirão vocês incrédulos: – Isso são conteúdos que eles aprenderam, tinham de saber? Então deixem-me que vos diga: são este tipo de conteúdos que as escolas deveriam ter a possibilidade de escolher para os seus alunos: é muito mais útil aos alunos de Coura conhecer meia dúzia de coisas da sua terra, do que saber os nomes dos rios portugueses, “por aí abaixo”! E lembrei-me ainda dos alunos das regiões autónomas, sabem lá eles onde fica Serpa! O que sei é que, se uma das questões mandasse enumerar por exemplo os nomes das nove ilhas do Arquipélago dos Açores, mais de 95% dos alunos do continente não atinava nem com dois ou três, quanto mais com nove!

Outra curiosidade desta prova de aferição está nos critérios de correção. Está nesta e estará certamente em todas as outras. Exemplificando: Se numa questão de escolha múltipla for dada a instrução de colocar uma cruz (X) na resposta correta, e o aluno colocar por exemplo um círculo (O), desde que assinalado na resposta correta, a questão tem a cotação máxima. Eu compreendo que o aluno provavelmente até saberá a resposta, mas se lhe é indicado para colocar uma cruz e ele coloca um círculo, ou está a gozar ou então… (vocês sabem, não vale a pena escrever.) Isto seria o mesmo que numa prova de dança ser dada a ordem de dançar uma valsa, mas ser dançado um corridinho! Desde que dance, está correto!

Em entrevista ao jornal Público de 18 de junho, o ministro da Educação referiu a propósito das provas de aferição que elas são “um instrumento que permite a cada estudante mostrar a si mesmo e aos seus professores como sistematizam e como expressam o que aprenderam em cada área do saber e como o relacionam com o que cada pergunta os interpela“. Sinceramente Sr. Ministro, não me parece que os alunos vejam na prova alguma coisa que lhes permita aferir do seu desempenho, ainda mais quando sabemos que os resultados da avaliação serão qualitativos (não há nota, mas sim uma descrição do desempenho). Quanto a esta, estou muito curioso em saber o que vai devolver a cada aluno a folha Excel! Também não me parece, e não me parece mesmo nada que depois de 8 meses de aulas os professores ainda precisem desta prova para perceber como os seus alunos sistematizam o que aprenderam ou deixaram de aprender!

Mas enfim, trata-se da primeira prova de aferição, certamente haverá coisas a melhorar, e no fundo, a verdade é que isto não conta para nada!

Comments are closed.